quarta-feira, 19 de março de 2008

"Pai provedor deu lugar a uma figura afectiva"

"Pai provedor deu lugar a uma figura afectiva"


CARLA AGUIAR
entrevista: Bernardo Coelho, sociólogo

O que é ser pai hoje em comparação com o que era há 20 anos?

Há uma diferença marcada nos últimos anos, sobretudo a partir de finais dos anos 90. A ideia tradicional do "pai provedor" da família, em termos materiais, e do "pai autoritário", que impõe a disciplina, deu lugar a um "pai afectivo". Nota-se uma necessidade de investimento no estabelecimento de ligações afectivas com os filhos. Esta transformação também está, obviamente, relacionada com uma transformação do que é ser homem na família.

Como e porque acontecem estas alterações?

Há uma reconfiguração dos papéis do género. Á medida que as mulheres ascendem profissionalmente, o homem teve de se adaptar. Ele deixa de ser o garante exclusivo da estabilidade económica da família e sente a necessidade e ao mesmo tempo a possibilidade de abrir-se no campo emocional, algo que foi recalcado durante muito tempo. As mudanças na paternidade não são dissociáveis da mudanças sobre o que é ser mulher.

Este novo papel é mais gratificante para os pais ou, pelo contrário, gera tensões?

Há uma descoberta do que é ser pai, que exige uma aprendizagem forte. Este novo investimento implica, por outro lado, uma gestão sobre o próprio significado da masculinidade. É um processo interminável.

A paternidade acontece também cada vez mais tarde. Que efeitos isso tem na forma de exercer a paternidade?

Por um lado, há logo uma consequência demográfica. Quanto mais tarde se é pai, tem-se, em princípio, menos filhos. Hoje a paternidade é também relativamente mais planeada e programada. Há condições materiais objectivas que podem condicionar esse adiamento, como a precariedade no trabalho e a falta de estabilidade económica. Mas, num plano subjectivo, também se nota uma tendência para as pessoas querem viver mais intensamente os seus percursos de descoberta e de experiências que ou só podem ser feitas individualmente ou a dois. E isso traduz-se inevitavelmente num adiamento da paternidade. Por outro lado, num casal - sobretudo quando há um investimento forte nas carreira dos dois lados - os tempos para a paternidade nem sempre coincidem.

Há vantagens ou desvantagens desse adiamento?

Se é mais planeada e consciente pode ter aspectos positivos, no sentido em que quando se escolhe ser pai existirá uma estabilidade emocional e económica que pode facilitar as coisas. Mas é difícil identificar vantagens e desvantagens. Há pessoas que têm projectos individuais que são mais longos e que, por isso, precisam de mais tempo.

Hoje sabe-se mais, nomeadamente pelo contributo da psicologia, sobre as responsabilidades dos pais, através da educação e do exemplo, sobre a saúde mental dos filhos e as suas possibilidades de sucesso. Até que ponto esta informação, que há 30 anos não existia, pode gerar um sentido de maior responsabilidade e ansiedade nos pais?

Há uma grande dose de informação disponível. E é engraçado que quando se sabe que se vai ser pai, é como se desfiasse um filme, em que se vão, desde logo, traçando expectativas para os filhos, mesmo num futuro longínquo. As preocupações existem e crescem à medida que se tem mais informação. |

Fonte: http://dn.sapo.pt/2008/03/19/centrais/pai_provedor_lugar_a_figura_afectiva.html

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