quarta-feira, 16 de abril de 2008

Alterações ao Regime Jurídico do Divórcio

Projecto de Lei n.º 509/X

Alterações ao Regime Jurídico do Divórcio

Exposição de motivos

I. Liberdade de escolha e igualdade de direitos e de deveres entre cônjuges, afectividade no centro da relação, plena comunhão de vida, cooperação e apoio mútuo na educação dos filhos, quando os houver, eis os fundamentos do casamento nas nossas sociedades.

Um prolongamento lógico deste enunciado de princípios é a aceitação do divórcio e a gestão responsabilizada e colectivamente assumida das suas consequências. Com efeito, e decorrendo do princípio da liberdade, ninguém deve permanecer casado contra sua vontade ou se considerar que houve quebra do laço afectivo. O cônjuge tratado de forma desigual, injusta ou que atente contra a sua dignidade deve poder terminar a relação conjugal mesmo sem a vontade do outro. A invocação da ruptura definitiva da vida em comum deve ser fundamento suficiente para que o divórcio possa ser decretado.

Ponto nevrálgico é também, no entanto, aquele que se refere às consequências do divórcio sobretudo quando há filhos menores. Tendo como referente fundamental, neste plano, os direitos das crianças e os deveres dos pais, e assumindo a realidade da diferenciação clara entre relação conjugal e relação parental, o exercício das responsabilidades parentais deve ser estipulado de forma a que a criança possa manter relações afectivas profundas com o pai e com a mãe, bem como ser o alvo de cuidados e protecção por parte de ambos em ordem à salvaguarda do seu superior interesse.

Os princípios atrás enunciados parecem hoje verdades simples e universalmente adquiridas. Não o são, contudo, quer quando nos comparamos com outras sociedades, quer quando pensamos na história portuguesa do século XX. Como é sabido existem ainda muitas sociedades em que não há liberdade de escolha do cônjuge e o estatuto de inferioridade das mulheres no casamento dá lugar a sérias violações dos direitos humanos.

Quanto ao caso português, em 1910, com as Leis da Família, Portugal assumiu pioneirismo ao ser depois da Noruega, em 1909, o segundo país Europeu a consagrar o divórcio por mútuo consentimento, no âmbito mais vasto da legislação que consagrou a separação entre a Igreja e o Estado e o casamento civil obrigatório. Mas, como é sabido, anos mais tarde verificam-se recuos relativamente aos princípios então aplicados. Entre 1940 e 1975, e através da assinatura da Concordata com a Santa Sé, estendeu-se à lei civil o direito canónico e a indissolubilidade do casamento situação que impediu o divórcio para os casamentos católicos mal sucedidos.

Mas a modernidade assenta na ideia transformadora da capacidade de cada indivíduo e na procura da realização pessoal traduzidas, no plano do casamento, na valorização das relações afectivas em detrimento das imposições institucionais e na aposta no bem-estar individual como condição necessária para o bem-estar familiar. Esse reencontro de Portugal com a modernidade só foi possível, no plano legislativo, a partir do 25 de Abril de 1974, com o Decreto-Lei n.º 261/75, de 27 de Maio, consequente ao Protocolo Adicional à Concordata que tornou possível o divórcio para os casamentos católicos e, mais tarde, com a revisão do Código Civil pelo Decreto-Lei n.º 496/77 de 25 de Novembro. Em 1995, 1998 e em 2001 foram realizados alguns ajustamentos para adequar a arquitectura legal à realidade da vida social e às profundas transformações que se iam verificando não só em Portugal mas por toda a Europa e, de forma genérica, nas sociedades desenvolvidas. Mas tal como na maioria dos países da União Europeia, que têm conhecido vastas reformas no plano do direito de família, impõe-se agora mudança mais ampla também em Portugal.

O projecto de lei que se apresenta pretende retomar o espírito renovador, aberto e moderno que marcou há quase cem anos a I República, adequando a lei do Divórcio ao século XXI, às realidades das sociedades modernas.

O projecto, elaborado a partir de trabalho para o efeito realizado pelos Professores Guilherme de Oliveira e Anália Torres, procura convergir com a legislação mais recente e com a que vigora na maioria dos países Europeus, como pode ser conferido na publicação Principles of European Family Law Regarding Divorce and Maintenance Between Former Spouses, livro que é produto da actividade da CEFL, Comission on European Family Law em que Portugal também participa. Assume-se esta mudança em três planos fundamentais. Em primeiro lugar, elimina-se a culpa como fundamento do divórcio sem o consentimento do outro, tal como ocorre na maioria das legislações da União Europeia e alargam-se os fundamentos objectivos da ruptura conjugal. O abandono do fundamento da culpa é, aliás, ponto de convergência na legislação europeia como se pode ler na obra atrás citada: “A eliminação a qualquer referência à culpa é consistente com a evolução da lei e da prática nos sistemas legais europeus analisados. Em muitos desses sistemas a culpa foi abandonada. Mesmo os poucos que, de forma parcial, a mantém muitas vezes na prática evoluíram na direcção do divórcio sem culpa. De qualquer dos modos é difícil atribuir culpa apenas a um dos cônjuges” (in Boele-Woelki et al. (2004), Principles of European Family Law Regarding Divorce and Maintenance Between Former Spouses, Commission on European Family Law, Antwerp-Oxford, Intersentia, p.55).

Em segundo lugar, assume-se de forma explícita o conceito de responsabilidades parentais como referência central, afastando assim claramente a designação hoje desajustada de “poder paternal”, ao mesmo tempo que se define a mudança no sistema supletivo do exercício das responsabilidades parentais considerando ainda o seu incumprimento como crime. Finalmente, e reconhecida a importância dos contributos para a vida conjugal e familiar dos cuidados com os filhos e do trabalho despendido no lar, consagra-se pela primeira vez na lei e em situação de dissolução conjugal, que poderá haver lugar a um crédito de compensação em situação de desigualdade manifesta desses contributos.

Na parte II desta exposição de motivos enunciam-se de forma mais técnica as alterações principais. Olhar-se-á agora, um pouco mais de perto, para as transformações sociais que fundamentam as propostas apresentadas.

1. As realidades das sociedades modernas a que se faz referência são resultantes de mudanças rápidas e por isso mesmo susceptíveis de produzir perplexidade e interrogações. No caso português razão acrescida há para essas dúvidas. Se na maior parte dos países europeus o conjunto de transformações que afectam directamente a forma de encarar e de viver o casamento e a família se iniciam a partir dos anos 60 do século XX, em Portugal tais processos só foram ganhando visibilidade de forma mais notória a partir do princípio dos 80. O divórcio só começou a aumentar de forma mais significativa em Portugal depois de 1975 pelas razões já referidas. Depois de um momento de números elevados que correspondeu à regularização das situações anteriores à lei. A evolução é a seguinte: em 1970, 508; 1980, 5843; 1990, 9216; 2000, 19104; 2006, 23935 (INE, Estatísticas Demográficas).

Trata-se então aqui de processos de transformação mais tardios, partilhados com outros países do Sul da Europa, que não deixam no entanto de se orientar no sentido das tendências mais gerais. Com efeito, quando se estuda mais de perto estas realidades conclui-se, talvez ao contrário das visões de senso comum, que os portugueses se aproximam muito, nas suas práticas e nas suas representações, dos outros europeus. Podemos identificar estas posições, no plano da vida conjugal, como parte integrante de três grandes movimentos que foram ocorrendo no decurso do século XX e, mais particularmente, nos seus últimos quarenta anos: sentimentalização, individualização e secularização.

1.1 Para identificar o processo da sentimentalização basta analisar diacronicamente as práticas da vida conjugal e familiar nas últimas décadas para inevitavelmente concluir que os afectos estão no centro da relação conjugal e na relação pais-filhos. Não excluindo a existência de outras dimensões importantes da conjugalidade e da vida familiar, como a dimensão contratual, a económica e a patrimonial, que obviamente também é necessário ter em consideração, é no entanto inegável ser a dimensão afectiva o núcleo fundador e central da vida conjugal. Quanto às relações familiares entre pais e filhos foi ficando cada vez mais claro que o bem-estar psico-emocional dos últimos passou a estar em primeiro plano.

Prova do que se afirma e sinal evidente de sentimentalização são os resultados de um Inquérito aos Europeus mostrando que a família, em primeiro lugar, logo seguida dos amigos e do lazer, são as suas principais prioridades quando respondem ao que é importante na vida de cada um. Curiosamente, e também talvez ao contrário de algumas expectativas, não se verificam diferenças significativas entre países quanto a esta priorização, facto que traduz, por certo, um verdadeiro consenso valorativo no plano Europeu.

É o facto de a dimensão afectiva da vida se ter tornado tão decisiva para o bem-estar dos indivíduos que confere à conjugalidade particular relevo. Sendo esta decisiva para a felicidade individual, tolera-se mal o casamento que se tornou fonte persistente de mal-estar. Assim, é a importância do casamento e não a sua desvalorização que se destaca quando se aceita o divórcio. Daqui decorre também que importa evitar que o processo de divórcio, já de si emocionalmente doloroso, pelo que representa de quebra das expectativas iniciais, se transforme num litígio persistente e destrutivo com medição de culpas sempre difícil senão impossível de efectivar.

É neste intuito que se propõe o afastamento do fundamento da culpa para o divórcio sem o consentimento do outro abandonando, de resto, a própria designação de divórcio litigioso. Isso mesmo aconteceu já na maioria das legislações europeias visto que, como é expressamente assumido “(eliminar qualquer referência à culpa) evita indesejável investigação quanto ao estado do casamento pela autoridade competente e respeita melhor a integridade e autonomia dos cônjuges” (in Boele-Woelki, K. et al, p. 55).

Não pode significar esta elisão que se desprotejam situações de injustiça ou desigualdade. Nas consequências do divórcio está prevista a reparação de danos bem como a existência de créditos de compensação quando houver manifesta desigualdade de contributos dos cônjuges para os encargos da vida familiar. É decisivo, com efeito, observar rigor no domínio das consequências, quer relativamente aos filhos, quer nas situações de maior fragilidade e desigualdade entre cônjuges. Demonstração dessa necessidade de ao eliminar a culpa evitar a desprotecção é, aliás, o facto de este projecto consagrar, de forma muito inovadora relativamente à legislação anterior, que a violação dos direitos humanos, designadamente a violência doméstica, constituírem fundamento para requerer o divórcio. Não é nesta situação, aliás, necessário esperar pelo período de um ano de ruptura de facto, para o requerer, na medida em que se considera que esse tipo de violações persistentes evidencia de forma óbvia a ruptura da vida em comum.

Aliás, afastar o litígio e evitar arrastamentos ainda mais dolorosos das situações de divórcio é justamente o que os portugueses pela sua prática têm demonstrado fazer. Na verdade, os divórcios litigiosos têm vindo a diminuir drasticamente: de 38% em 1980, para 14% em 2000 e para uns residuais 6% em 2005.

1.2 A individualização significa a liberdade de assumir para si, aceitando também para os outros, a escolha de modos próprios de encarar e viver a vida privada Como tendência valorativa que se afirma desde o século XIX, a gradual afirmação dos direitos dos indivíduos na esfera familiar aparece já como elemento central do que Durkheim considera ser a família conjugal moderna. Para reforçar este ponto de vista escrevia o autor, já nessa viragem do século XIX para o XX, que no tipo de família que então se começava a afirmar “os indivíduos são mais importantes do que as coisas”: ele valorizava assim no casamento o bem-estar individual e familiar em detrimento das lógicas patrimoniais. Mas o percurso dos processos de individualização ao longo do século XX vem ainda introduzir novos elementos. A afirmação da igualdade entre homens e mulheres é outro sinal da individualização que se reflecte de forma directa no casamento e o transforma numa ligação entre iguais.

Maior liberdade na vida privada, mais margem de manobra individual quanto à condução da vida conjugal e familiar, maior afirmação dos direitos individuais numa relação entre pares centrada fundamentalmente nas lógicas afectivas, são adquiridos da modernidade. É claro que o novo modelo traz também problemas novos. A maior ocorrência do divórcio é um deles, mas também se pode falar de forma genérica de aumento do risco, da incerteza, das tensões ou dos conflitos de lealdade. São as contrapartidas cujos efeitos importa atenuar, sobretudo quando as partes em conflito estão em situações de clara assimetria.

Vários são os indicadores revelando que as transformações referidas, designadamente os processos de sentimentalização e de individualização, ocorrem também na sociedade portuguesa. A aceitação do divórcio é praticamente generalizada. Num inquérito a nível nacional, aplicado em 1999, 83% consideram que quando há problemas na vida do casal se justifica o divórcio ou que este é a solução para um mau casamento e só 14% concordavam com a ideia da indissolubilidade do casamento. Já em 2002 essas posições aparecem reforçadas em respostas a outro inquérito, em que apenas 4% afirmam que “é melhor ter um mau casamento do que não estar casado/a” e 79% concordam com a ideia segundo a qual “quando um casal não consegue resolver os seus problemas o divórcio é a melhor solução”. Mas mais significativo ainda é o facto de, no último inquérito referido, o qual foi aplicado em 15 países Europeus, Portugal ser aquele em que tanto mulheres como homens assumem esta posição de forma mais inequívoca, à frente de países como a França, a Alemanha, a Grã-Bretanha ou a Suécia, entre outros.

A tendência cada vez mais acentuada de os divorciados voltarem à conjugalidade, sob qualquer das suas formas, mostra, por seu turno, que maiores taxas de divórcio não significam obrigatoriamente desvalorizar o casamento, mas antes, pelo contrário, que se considera este demasiado importante na vida de cada um para que seja mal vivido. Os números também aqui são eloquentes.

Resultados do Inquérito Social Europeu, já atrás referido, revelam, com efeito, que estar divorciado tende a ser uma situação transitória, havendo na maioria dos países, para um mesmo ano, mais pessoas casadas que alguma vez se tinham divorciado, do que divorciados. Para Portugal as Estatísticas Demográficas do INE, Instituto Nacional de Estatística mostram também o aumento constante e progressivo do número dos divorciados que se voltam a casar: eles passam de 13% dos casamentos que se realizaram em 2000 (8428 em 63752) a 20% (9842 em 47857) dos que se realizaram em 2006. Registe-se aliás que enquanto os casamentos de 2000 para 2006 descem, os recasamentos pelo contrário sobem. Este é outro dos indicadores reveladores do que tem vindo a ser defendido: o divórcio não representou por certo nestes casos o descrédito do casamento em si mesmo, e muito menos da importância da família, mas antes o sinal do fracasso de uma relação conjugal específica. Colocar obstáculos ao divórcio quando ele constitui decisão de acordo mútuo, ou pelo menos vontade expressa de um dos envolvidos, é levantar obstáculos e impedir a concretização legal de outros projectos de vida.

1.3 Quanto à secularização também em Portugal os seus efeitos se fazem sentir. O que está em causa não é necessariamente o abandono das referências religiosas, mas antes uma retracção destas para esferas mais íntimas e assumindo dimensões menos consequenciais em outros aspectos da vida. No plano das práticas são visíveis outros indicadores de secularização. A descida dos casamentos católicos é um deles. De 90,7 em 1960, foram descendo para 86,6% em 1970, 74,6% em 1981%, 72,0% em 1991, 66,4% em 1999 e finalmente para 52% em 2006 de acordo com os dados das Estatísticas Demográficas do INE para 2006.

2. O projecto que se apresenta propõe o desaparecimento da designação “poder paternal” substituindo-a de forma sistemática pelo conceito de “responsabilidades parentais”. Na mudança de designação está obviamente implícita uma mudança conceptual que se considera relevante. Ao substituir uma designação por outra muda-se o centro da atenção: ele passa a estar não naquele que detém o “poder” – o adulto, neste caso – mas naqueles cujos direitos se querem salvaguardar, ou seja, as crianças.

Esta mudança pareceu essencial por vários motivos. Em primeiro lugar, a designação anterior supõe um modelo implícito que aponta para o sentido de posse, manifestamente desadequado num tempo em que se reconhece cada vez mais a criança como sujeito de direitos. É certo que em direito de família o poder paternal sempre foi considerado um poder/dever, mas esta é uma especificação técnica que desaparece no uso quotidiano, permitindo-se assim que na linguagem comum se façam entendimentos e conotações antigas e desajustadas.

Em segundo lugar, é vital que seja do ponto de vista das crianças e dos seus interesses, e portanto a partir da responsabilidade dos adultos, que se definam as consequências do divórcio. Também assim se evidencia a separação entre relação conjugal e relação parental, assumindo-se que o fim da primeira não pode ser pretexto para a ruptura da segunda. Por outras palavras, o divórcio dos pais não é o divórcio dos filhos e estes devem ser poupados a litígios que ferem os seus interesses, nomeadamente, se forem impedidos de manter as relações afectivas e as lealdades tanto com as suas mães como com os seus pais.

Vale a pena sublinhar, por último, que a designação agora proposta acompanha as legislações da maioria dos países europeus que já há muito a consagram.

Acresce ainda que neste projecto se introduz um novo artigo prevendo punição para o incumprimento do exercício das responsabilidades parentais que passa a ser considerado crime de desobediência. Novamente assim se pretende sublinhar que o Estado deve, através dos vários meios ao seu alcance, assegurar a defesa dos direitos das crianças, parte habitualmente silenciosa neste tipo de diferendos entre adultos, sempre que estes não cumpram o que ficar estipulado.

A imposição do exercício conjunto das responsabilidades parentais para as decisões de grande relevância da vida dos filhos decorre ainda do respeito pelo princípio do interesse da criança. Também aqui se acompanha a experiência da jurisprudência e a legislação vigente em países que, por se terem há mais tempo confrontado com o aumento do divórcio, mudaram o regime de exercício das responsabilidades parentais da guarda única para a guarda conjunta. Isso aconteceu por terem sido verificados os efeitos perversos da guarda única, nomeadamente pela tendência de maior afastamento dos pais homens do exercício das suas responsabilidades parentais e correlativa fragilização do relacionamento afectivo com os seus filhos.

3. As mudanças legislativas que agora se propõem constituem regras gerais e abstractas que se aplicam, como é sabido, a indivíduos em diferentes contextos e realidades. A direitos iguais correspondem muitas vezes diferentes condições sociais do seu exercício, reservando-se por isso, como sempre acontece em termos de direito, um papel muito relevante de compreensão e de adaptação da lei aos seus aplicadores.

Trinta nos depois da entrada em vigor da Reforma do Código Civil de 1977 é hoje ainda evidente que à igualdade de direitos entre homens e mulheres no casamento, aí consagrada, não corresponde a igualdade de facto. Inúmeros são os indicadores que nos revelam essa desigualdade, obviamente não exclusiva da situação portuguesa. Limitamo-nos aqui apenas a sublinhar um desses indicadores que evidencia a desigualdade de contributos entre homens e mulheres para a vida familiar. De acordo com o Relatório do Desenvolvimento Humano 2007/2008 das Nações Unidas, Portugal é dos países, entre os de desenvolvimento humano elevado, com maior assimetria em desfavor das mulheres em horas de trabalho dentro e fora do mercado: elas despendem, com efeito, mais de uma hora e meia por dia do que os homens.

Estes diferenciais de tempo já tinham sido também detectados em duas pesquisas realizadas em Portugal, que, realizadas por equipas separadas, chegaram às mesmas conclusões: somando as horas de trabalho pago com as dos cuidados com a família, as mulheres portuguesas contribuem directamente com mais horas de trabalho do que os homens. Outros dados revelavam ainda que 70% das mulheres no nosso país contribuíam financeiramente de forma decisiva para o orçamento familiar. Por último, são também as mães portuguesas aquelas que mais horas trabalhavam para o mercado de trabalho em toda a União Europeia a quinze. Está longe, da realidade portuguesa assim, o modelo de divisão do trabalho familiar que atribui ao homem papel exclusivo de provedor da família e à mulher o de ser apenas cuidadora do lar e dos filhos. Mas insista-se em que o trabalho realizado pelas mulheres no contexto familiar, hoje acumulado com o trabalho que desempenham no exterior, não é valorizado no contexto do casamento e permanece ainda mais invisível quando surge o divórcio.

Ora, o reconhecimento da importância decisiva para as condições de vida e equilíbrio da vida familiar dos contributos da chamada esfera reprodutiva, isto é, dos cuidados com os filhos e do trabalho doméstico, é uma aquisição civilizacional recente que carece ainda de ser verdadeiramente incorporada, quer na realidade quotidiana, quer na percepção política e jurídica. Se muitas vezes no plano dos princípios se está pronto a considerar a maternidade e a paternidade como valores sociais eminentes (art. 68º da Constituição) é necessário promover a sua plena concretização.

É por ter em consideração esta falta de reconhecimento e as assimetrias que lhes estão implícitas, que o projecto apresentado estabelece, nas consequências do divórcio, a possibilidade de atribuição de créditos de compensação, sempre que se verificar assimetria entre os cônjuges nos contributos para os encargos da vida familiar.

Com efeito, sabe-se que as carreiras profissionais femininas são muitas vezes penalizadas na sua progressão porque as mulheres, para atender aos compromissos familiares, renunciam por vezes a desenvolver outras actividades no plano profissional que possam pôr em causa esses compromissos. Ora quando tais renúncias existem, e por desigualdades de género não são geralmente esperadas nem praticadas no que respeita aos homens, acabam, a prazo, por colocar as mulheres em desvantagem no plano financeiro. Admite-se por isso que no caso da dissolução conjugal seria justo “que o cônjuge mais sacrificado no (des)equilíbrio das renúncias e dos danos, tivesse o direito de ser compensado financeiramente por esse sacrifício excessivo” (in, Guilherme Oliveira, (2004), “Dois numa só carne”, in Ex aequo, n.º 10.)

Ainda neste plano, vale a pena lembrar que devido ao facto de ser às mulheres que a guarda das crianças na situação de divórcio é atribuída com muito mais frequência, as situações de perda e desequilíbrio financeiro atingem também as condições de vida dos filhos. Estas ainda se podem agravar em caso de incumprimento de assunção das responsabilidades parentais, nomeadamente quando há recusa ou atraso na prestação de alimentos. Procurar formas de aumentar o envolvimento e o protagonismo dos pais, homens, na prestação de cuidados e apoio aos seus filhos, igualmente na sequência do divórcio, é por certo assegurar melhor os direitos das crianças a manter as relações de afecto tanto com as mães como com os pais, além de assegurar também a partilha mais igualitária das tarefas entre os sexos com benefício de todos os envolvidos.

4. O divórcio aumentou nos últimos quarenta anos nas nossas sociedades por várias razões, entre as quais podemos destacar três fundamentais. Em primeiro lugar, é necessário ter em conta as recomposições sociais e económicas que se traduziram, num primeiro momento, na desruralização das sociedades e no crescimento das classes médias. Para a grande maioria, nos diferentes sectores sociais, os aspectos estritamente patrimoniais passaram a desempenhar papel de menor relevo na família e no casamento. A lógica tradicional em que a família, em torno da figura do patriarca, decidia o casamento dos filhos – a família fundava o casamento – transforma-se no modelo de família conjugal moderna a partir do qual se define que é casamento que funda a família. Sociedades mais organizadas em torno do assalariamento dependem menos do património familiar para tomar decisões em torno da conjugalidade, têm mais liberdade para decidir. Foi uma mudança que se foi operando no decurso do século XX e que se aprofundou, afirmando novos contornos, nos seus últimos 40 anos.

Em segundo lugar, mudou a própria forma de encarar o casamento. Dada a centralidade dos afectos para o bem-estar dos indivíduos, passou a considerar-se que em caso de persistente desentendimento no casamento os indivíduos não seriam obrigados a manter a qualquer preço a instituição. Assume-se, aliás, ser difícil construir a harmonia familiar sobre o sacrifico e o mal-estar de algum dos seus membros. Aceitar o divórcio passou a ser sinal, não de facilitismo, mas de valorização de uma conjugalidade feliz e conseguida. Voltar a casar ou à conjugalidade é, de resto, a prática da maioria dos divorciados nas nossas sociedades.

Em terceiro lugar, passou a depender-se menos do casamento como modo de vida. A entrada progressiva das mulheres para o mercado de trabalho, fenómeno mais visível em Portugal desde o início dos anos 80, permite menor dependência do casamento como modo de vida, para ambos os cônjuges, e maior autonomia para acabar com situações persistentemente indesejáveis.

O aumento do divórcio faz parte, como se sublinhou no início, de um movimento mais vasto de transformações sociais que foi sendo acompanhado nas sociedades desenvolvidas por mudanças no plano legislativo. Maior liberdade e menos constrangimentos neste plano da vida privada, não deixaram, em contrapartida, também de fazer surgir novos problemas e tensões que o legislador foi procurando acautelar.

Sendo a ruptura conjugal, com muita frequência, um processo emocionalmente doloroso, a tendência tem sido também, ao nível legislativo, e nos países europeus que nos vão servindo de referência, para retirar a carga estigmatizadora e punitiva que uma lógica de identificação da culpa só pode agravar. Privilegia-se o mútuo acordo na ruptura conjugal. Incentiva-se ainda o recurso a formas de dirimir o conflito através da mediação familiar como solução de proximidade e no sentido de evitar arrastamentos judiciais penosos e desgastantes. Sempre que a modalidade do mutuo acordo seja impossível e não haja consentimento de uma das partes, a lei procura assentar em causas objectivas a demonstração da ruptura da vida em comum e a vontade de não a continuar.

Exige-se em contrapartida sempre, com acordo ou sem ele, rigor e equilíbrio na gestão das consequências do divórcio, sobretudo quando há crianças envolvidas ou situações de assimetria e fragilidade de uma das partes. Os direitos das crianças serão o referente aquando da regulação do exercício das responsabilidades parentais. Procura-se acautelar o não agravamento de situações de desigualdade e assimetria entre cônjuges, protegendo os mais fragilizados.

Foram estes os principais critérios genéricos que estiveram na base do projecto que agora se propõe. Explicitam-se de seguida de forma mais pormenorizada as mudanças propostas.

II. Destacaremos agora, brevemente, as alterações mais importantes relativamente ao regime vigente:

1. Mediação Familiar

Estimula-se a divulgação dos serviços de mediação familiar impondo uma obrigação de informação aos cônjuges, por parte das conservatórias e dos tribunais.

2. Divórcio por mútuo consentimento

Elimina-se a necessidade de fazer uma tentativa de conciliação nos processos de divórcio por mútuo consentimento; se havia motivos para duvidar da eficácia da exigência legal, essas dúvidas parecem mais consistentes quando os cônjuges estão de acordo da dissolução do casamento.

Os cônjuges não terão de alcançar “acordos complementares” como requisito do divórcio, como hoje acontece; a dissolução do casamento depende apenas do mútuo acordo sobre o próprio divórcio. Mas, faltando algum dos “acordos complementares”, o pedido de divórcio tem de ser apresentado no tribunal para que, além de determinar a dissolução com base no mútuo consentimento, o juiz decida as questões sobre que os cônjuges não conseguiram entender-se, como se se tratasse de um divórcio sem consentimento de um dos cônjuges.

3. Divórcio sem o consentimento de um dos cônjuges

Elimina-se a modalidade de divórcio por violação culposa dos deveres conjugais – a clássica forma de divórcio-sanção – que tem sido sistematicamente abandonada nos países europeus por ser, em si mesma, fonte de agravamento de conflitos anteriores, com prejuízo para os ex-cônjuges e para os filhos; o divórcio não deve ser uma sanção. O cônjuge que quiser divorciar-se e não conseguir atingir um acordo para a dissolução, terá de seguir o caminho do chamado “divórcio ruptura”, por “causas objectivas”, designadamente a separação de facto. E nesta modalidade de divórcio, ao contrário do que hoje acontece, o juiz nunca procurará determinar e graduar a culpa, para aplicar sanções patrimoniais; afastam-se agora também estas sanções patrimoniais acessórias. As discussões sobre culpa, e também sobre danos provocados por actos ilícitos, ficam alheias ao processo de divórcio.

Encurtam-se para um ano os prazos de relevância dos fundamentos do divórcio sem consentimento de um dos cônjuges.

Se o sistema do “divórcio ruptura” pretende reconhecer os casos em que os vínculos matrimoniais se perderam independentemente da causa desse fracasso, não há razão para não admitir a relevância de outros indicadores fidedignos da falência do casamento. Por isso, acrescenta-se uma cláusula geral que atribui relevo a outros factos que mostram claramente a ruptura manifesta do casamento, independentemente da culpa dos cônjuges e do decurso de qualquer prazo. O exemplo típico, nos sistemas jurídicos europeus, é o da violência doméstica – que pode mostrar imediatamente a inexistência da comunhão de vida própria de um casamento.

4. Efeitos patrimoniais

Em caso de divórcio, a partilha far-se-á como se os cônjuges tivessem estado casados em comunhão de adquiridos, ainda que o regime convencionado tivesse sido a comunhão geral, ou um outro regime misto mais próximo da comunhão geral do que da comunhão de adquiridos; a partilha continuará a seguir o regime convencionado no caso de dissolução por morte. Segue-se, neste ponto, o direito alemão, que evita que o divórcio se torne um meio de adquirir bens, para além da justa partilha do que se adquiriu com o esforço comum na constância do matrimónio, e que resulta da partilha segundo a comunhão de adquiridos. Abandona-se o regime actual que aproveita o ensejo para premiar um inocente e castigar um culpado.

Afirma-se o princípio de que o cônjuge que contribui manifestamente mais do que era devido para os encargos da vida familiar adquire um crédito de compensação que deve ser satisfeito no momento da partilha. Este é apenas mais um caso em que se aplica o princípio geral de que os movimentos de enriquecimento ou de empobrecimento que ocorrem, por razões diversas, durante o casamento, não devem deixar de ser compensados no momento em que se acertam as contas finais dos patrimónios.

Em caso de divórcio, qualquer dos cônjuges perde os benefícios que recebeu ou havia de receber em consideração do estado de casado, apenas porque a razão dos benefícios era a constância do casamento. Também aqui se afasta a intenção de castigar um culpado e beneficiar um inocente.

Os pedidos de reparação de danos serão, em qualquer caso, julgados nos termos gerais da responsabilidade civil, nas acções próprias; este é um corolário da retirada da apreciação da culpa do âmbito das acções de divórcio.

5. Responsabilidades parentais

Impõem-se o exercício conjunto das responsabilidades parentais, salvo quando o tribunal entender que este regime é contrário aos interesses do filho. O exercício conjunto, porém, refere-se apenas aos “actos de particular importância”; a responsabilidade pelos “actos da vida quotidiana” cabe exclusivamente ao progenitor com quem o filho se encontra. Dá-se por assente que o exercício conjunto das responsabilidades parentais mantém os dois progenitores comprometidos com o crescimento do filho; afirma-se que está em causa um interesse público que cabe ao Estado promover, em vez de o deixar ao livre acordo dos pais; reduz-se o âmbito do exercício conjunto ao mínimo – aos assuntos de “particular importância”. Caberá à jurisprudência e à doutrina definir este âmbito; espera-se que, ao menos no princípio da aplicação do regime, os assuntos relevantes se resumam a questões existenciais graves e raras, que pertençam ao núcleo essencial dos direitos que são reconhecidos às crianças. Pretende-se que o regime seja praticável – como é em vários países europeus – e para que isso aconteça pode ser vantajoso não forçar contactos frequentes entre os progenitores. Assim se poderá superar o argumento tradicional de que os pais divorciados não conseguem exercer em conjunto as responsabilidades parentais.

Na determinação da residência do filho, valoriza-se a disponibilidade manifestada por cada um dos progenitores para promover relações habituais do filho com o outro progenitor.

O incumprimento do regime sobre o exercício das responsabilidades parentais – homologado pela autoridade competente com base num acordo dos pais ou determinado pelo tribunal – passa a constituir um crime de desobediência, nos termos da lei penal. Pretende-se diminuir a ligeireza com que se desprezam as decisões dos tribunais e se alteram os hábitos e as expectativas dos filhos, nesta matéria.

6. Alimentos entre ex-cônjuges

Afirma-se o princípio de que cada ex-cônjuge deve prover à sua subsistência, e de que a obrigação de alimentos tem um carácter temporário, embora possa ser renovada periodicamente.

Elimina-se a apreciação da culpa como factor relevante da atribuição de alimentos, porque se quer reduzir a questão ao seu núcleo essencial – a assistência de quem precisa por quem tem possibilidades. Mas prevê-se que, em casos especiais que os julgadores facilmente identificarão, o direito de alimentos seja negado ao ex-cônjuge necessitado, por ser chocante onerar o outro com a obrigação correspondente.

Afirma-se o princípio de que o credor de alimentos não tem o direito de manter o padrão de vida de que gozou enquanto esteve casado. O casamento que não durar para sempre não pode garantir um certo nível de vida para sempre.

Estabelece-se a prevalência de qualquer obrigação de alimentos relativamente a filhos do devedor de alimentos, relativamente à obrigação emergente do divórcio em favor do ex-cônjuge.

7. Afinidade

A afinidade cessa com a dissolução do casamento por divórcio; a relevância social e jurídica da permanência destes vínculos, na sequência do divórcio, há muito que se apresentava mais do que duvidosa.

Assim, nos termos constitucionais, legais e regimentais aplicáveis, os Deputados do Partido Socialista abaixo-assinados apresentam o seguinte projecto de lei:

Alterações legislativas

Artigo 1.º

Alteração ao Código Civil

Os artigos 1585.º, 1676.º, 1773.º, 1774.º, 1775.º, 1776.º, 1778.º, 1778.º-A,1779.º, 1781.º, 1785.º, 1789.º, 1790.º, 1791.º, 1792.º, 1793.º, 1901.º, 1902.º, 1903.º, 1904.º, 1905.º, 1906.º, 1907.º, 1908.º, 1910.º, 1911.º, 1912.º, 2016.º, passam a ter a seguinte redacção:

«Artigo 1585.º

Elementos e cessação da afinidade

A afinidade determina-se pelos mesmos graus e linhas que definem o parentesco e não cessa pela dissolução, por morte, do casamento.

Artigo 1676.º

[…]

1.[…]

2. Se a contribuição de um dos cônjuges para os encargos da vida familiar exceder manifestamente a parte que lhe pertencia nos termos do número anterior, esse cônjuge torna-se credor do outro pelo que haja contribuído além do que lhe competia; mas este crédito só é exigível no momento da partilha dos bens do casal, a não ser que vigore o regime da separação.

3. […]

Artigo 1773.º

[…]

1. O divórcio pode ser por mútuo consentimento ou sem consentimento de um dos cônjuges.

2. O divórcio por mútuo consentimento pode ser requerido por ambos os cônjuges, de comum acordo, na conservatória do registo civil, ou no tribunal se, neste caso, o casal não tiver conseguido acordo sobre algum dos assuntos referidos no n.º 1 do artigo 1775.º.

3. O divórcio sem consentimento de um dos cônjuges é requerido no tribunal por um dos cônjuges contra o outro, com algum dos fundamentos previstos no artigo 1781º.

Artigo 1774.º

(Mediação familiar)

Antes do início do processo de divórcio, a conservatória do registo civil ou o tribunal devem informar os cônjuges sobre a existência e os objectivos dos serviços de mediação familiar.

Artigo 1775.º

(Requerimento e instrução do processo na conservatória do registo civil)

1. O divórcio por mútuo consentimento pode ser instaurado a todo o tempo na conservatória do registo civil, mediante requerimento assinado pelos cônjuges ou seus procuradores, acompanhado pelos documentos seguintes:

a) Relação especificada dos bens comuns, com indicação dos respectivos valores, ou caso os cônjuges optem por proceder à partilha daqueles bens nos termos dos artigos 272.º-A a 272.º-C do Decreto-Lei n.º 324/2007, de 28 de Setembro, acordo sobre a partilha ou pedido de elaboração do mesmo;

b) Certidão da sentença judicial que tiver regulado o exercício das responsabilidades parentais ou acordo sobre o exercício das responsabilidades parentais quando existam filhos menores e não tenha previamente havido regulação judicial;

c) Acordo sobre a prestação de alimentos ao cônjuge que deles careça;

d) Acordo sobre o destino da casa de morada de família;

e) Certidão da escritura da convenção antenupcial, caso tenha sido celebrada;

2. Caso outra coisa não resulte dos documentos apresentados, entende-se que os acordos se destinam tanto ao período da pendência do processo como ao período posterior.

Artigo 1776.º

(Procedimento e decisão na conservatória do registo civil)

1. Recebido o requerimento, o conservador convoca os cônjuges para uma conferência em que verifica o preenchimento dos pressupostos legais e aprecia os acordos referidos nas alíneas a), c) e d) do n.º 1 do artigo anterior, convidando os cônjuges a alterá-los se esses acordos não acautelarem os interesses de algum deles ou dos filhos, podendo determinar para esse efeito a prática de actos e a produção da prova eventualmente necessária, e decreta, em seguida, o divórcio, procedendo-se ao correspondente registo, salvo o disposto nos artigos 1777.º-A..

2. É aplicável o disposto nos artigos 1420.º, 1422.º, n.º 2 e 1424.º do Código de Processo Civil, com as necessárias adaptações.

3. As decisões proferidas pelo conservador do registo civil no divórcio por mútuo consentimento produzem os mesmos efeitos das sentenças judiciais sobre idêntica matéria.

Artigo 1778.º

(Remessa para o tribunal)

Se os acordos apresentados não acautelarem suficientemente os interesses de um dos cônjuges, e ainda no caso previsto no n.º 5 do artigo 1777.º-A, a homologação deve ser recusada e o processo de divórcio é integralmente remetido ao tribunal da comarca a que pertença a conservatória, seguindo-se os termos previstos no artigo 1778.º - A, com as necessárias adaptações.

Artigo 1778.º-A

(Requerimento, instrução e decisão do processo no tribunal)

1. O requerimento de divórcio é apresentado no tribunal, se os cônjuges não o acompanharem de algum dos acordos previstos no n.º 1 do artigo 1775.º.

2. Recebido o requerimento, o juiz aprecia os acordos que os cônjuges tiverem apresentado, convidando os cônjuges a alterá-los se esses acordos não acautelarem os interesses de algum deles ou dos filhos.

3. O juiz fixa as consequências do divórcio nas questões referidas no n.º 1 do artigo. 1775.º sobre que os cônjuges não tenham apresentado acordo, como se se tratasse de um divórcio sem consentimento de um dos cônjuges.

4. Tanto para a apreciação referida no n.º 2 como para fixar as consequências do divórcio, o juiz pode determinar a prática de actos e a produção da prova eventualmente necessária.

5. O divórcio é decretado em seguida, procedendo-se ao correspondente registo.

6. Na determinação das consequências do divórcio, o juiz deve sempre não só promover, mas também tomar em conta, o acordo dos cônjuges.

7. É aplicável ao divórcio no tribunal o n.º 4 do artigo 1777.º-A.

Artigo 1779.º

(Tentativa de conciliação; conversão do divórcio sem consentimento de um dos cônjuges em divórcio por mútuo consentimento)

1. No processo de divórcio sem consentimento de um dos cônjuges haverá sempre uma tentativa de conciliação dos cônjuges.

2. Se a tentativa de conciliação não resultar, o juiz procurará obter o acordo dos cônjuges para o divórcio por mútuo consentimento; obtido o acordo ou tendo os cônjuges, em qualquer altura do processo, optado por essa modalidade do divórcio, seguir-se-ão os termos do processo de divórcio por mútuo consentimento, com as necessárias adaptações.

Artigo 1781.º

(Ruptura do casamento)

São fundamento do divórcio sem consentimento de um dos cônjuges:


a) A separação de facto por um ano consecutivo;

b) A alteração das faculdades mentais do outro cônjuge, quando dure há mais de um ano e, pela sua gravidade, comprometa a possibilidade de vida em comum;

c) A ausência, sem que do ausente haja notícias, por tempo não inferior a um ano.

d) Quaisquer outros factos que, independentemente da culpa dos cônjuges, mostrem a ruptura definitiva do casamento.

Artigo 1785.º

[…]

1. O divórcio pode ser requerido por qualquer dos cônjuges com o fundamento das alíneas a) e d) do artigo 1781º; com os fundamentos das alíneas b) e c) do mesmo artigo, só pode ser requerido pelo cônjuge que invoca a alteração das faculdades mentais ou a ausência do outro.

2. Quando o cônjuge que pode pedir o divórcio estiver interdito, a acção pode ser intentada pelo seu representante legal, com autorização do conselho de família; quando o representante legal seja o outro cônjuge, a acção pode ser intentada, em nome do titular do direito de agir, por qualquer parente deste na linha recta ou até ao terceiro grau da linha colateral, se for igualmente autorizado pelo conselho de família.

3. O direito ao divórcio não se transmite por morte, mas a acção pode ser continuada pelos herdeiros do autor para efeitos patrimoniais, se o autor falecer na pendência da causa; para os mesmos efeitos, pode a acção prosseguir contra os herdeiros do réu.

Artigo 1789.º

[…]

1.[…]

2. Se a separação de facto entre os cônjuges estiver provada no processo, qualquer deles pode requerer que os efeitos do divórcio retroajam à data, que a sentença fixará, em que a separação tenha começado.

3. […]

Artigo 1790.º

[…]

Em caso de divórcio, nenhum dos cônjuges pode na partilha receber mais do que receberia se o casamento tivesse sido celebrado segundo o regime da comunhão de adquiridos.

Artigo 1791.º

[…]

Cada cônjuge perde todos os benefícios recebidos ou que haja de receber do outro cônjuge ou de terceiro, em vista do casamento ou em consideração do estado de casado, quer a estipulação seja anterior quer posterior à celebração do casamento; o autor da liberalidade pode determinar que o benefício reverta para os filhos do casamento.

Artigo 1792.º

(Reparação de danos)

1. O cônjuge lesado tem o direito de pedir a reparação dos danos causados pelo outro nos termos gerais da responsabilidade civil e nos tribunais comuns.

2. o cônjuge que pediu o divórcio com o fundamento da alínea b) do artigo 1781º, deve reparar os danos não patrimoniais causados ao outro cônjuge pela dissolução do casamento; este pedido deve ser deduzido na própria acção de divórcio.

Artigo 1793.º

[…]

1.[…]

2.[…]

3. O regime fixado, quer por homologação do acordo dos cônjuges quer por decisão do tribunal, pode ser alterado nos termos gerais da jurisdição voluntária.

Artigo 1901.º

(Responsabilidades parentais na constância do matrimónio)

1. Na constância do matrimónio, o exercício das responsabilidades parentais pertence a ambos os pais.

2. Os pais exercem as responsabilidades parentais de comum acordo e, se este faltar em questões de particular importância, qualquer deles pode recorrer ao tribunal, que tentará a conciliação; se esta não for possível, o tribunal ouvirá o filho, antes de decidir, salvo quando circunstâncias ponderosas o desaconselhem.

Artigo 1902.º

[…]

1. Se um dos pais praticar acto que integre o exercício das responsabilidades parentais, presume-se que age de acordo com o outro, salvo quando a lei expressamente exija o consentimento de ambos os progenitores ou se trate de acto de particular importância; a falta de acordo não é oponível a terceiro de boa fé.

2. O terceiro deve recusar-se a intervir no acto praticado por um dos progenitores quando, nos termos do número anterior, não se presuma o acordo do outro ou quando conheça a oposição deste.

Artigo 1903.º

[…]

Quando um dos pais não puder exercer as responsabilidades parentais por ausência, incapacidade ou outro impedimento, caberá esse exercício unicamente ao outro progenitor.

Artigo 1904.º

(Morte de um dos progenitores)

Por morte de um dos progenitores, o exercício das responsabilidades parentais pertence ao sobrevivo.

Artigo 1905.º

(Alimentos devidos ao filho em caso de divórcio, separação judicial de pessoas e bens, declaração de nulidade ou anulação do casamento)

Nos casos de divórcio, separação judicial de pessoas e bens, declaração de nulidade ou anulação do casamento, os alimentos devidos ao filho e forma de os prestar serão regulados por acordo dos pais, sujeito a homologação; a homologação será recusada se o acordo não corresponder ao interesse do menor.

Artigo 1906.º

(Exercício das responsabilidades parentais em caso de divórcio, separação judicial de pessoas e bens, declaração de nulidade ou anulação do casamento)

1. As responsabilidades parentais relativas às questões de particular importância para a vida do filho são exercidas em comum por ambos os progenitores, nos termos que vigoravam na constância do matrimónio, salvo nos casos de urgência manifesta, em que qualquer dos progenitores pode agir sozinho, devendo prestar informações ao outro logo que possível.

2. Quando o exercício em comum das responsabilidades parentais relativas às questões de particular importância para a vida do filho for julgado contrário aos interesses deste, deve o tribunal, através de decisão fundamentada, determinar que essas responsabilidades sejam exercidas por um dos progenitores.

3. O exercício das responsabilidades parentais relativas aos actos da vida corrente do filho cabem ao progenitor com quem ele reside habitualmente, ou ao progenitor com quem ele se encontra temporariamente; porém, este último, ao exercer as suas responsabilidades, não deve contrariar as orientações educativas mais relevantes, tal como elas são definidas pelo progenitor com quem o filho reside habitualmente.

4. O progenitor a quem cabe o exercício das responsabilidades parentais relativas aos actos da vida corrente pode exercê-las por si ou delegar o seu exercício.

5. O tribunal determinará a residência do filho e os direitos de visita de acordo com o interesse deste, tendo em atenção todas as circunstâncias relevantes, designadamente o eventual acordo dos pais e a disponibilidade manifestada por cada um deles para promover relações habituais do filho com o outro.

6. Ao progenitor que não exerça, no todo ou em parte, as responsabilidades parentais assiste o direito de ser informado sobre o modo do seu exercício, designadamente sobre a educação e as condições de vida do filho.

7. O tribunal decidirá sempre de harmonia com o interesse do menor, incluindo o de manter uma relação de grande proximidade com os dois progenitores, promovendo e aceitando acordos ou tomando decisões que favoreçam amplas oportunidades de contacto com ambos e de partilha de responsabilidades entre eles.

Artigo 1907.º

(Exercício das responsabilidades parentais quando o filho é confiado a terceira pessoa)

1. Por acordo ou decisão judicial, ou quando se verifique alguma das circunstâncias previstas no artigo 1918º, o filho pode ser confiado à guarda de terceira pessoa.

2. Quando o filho seja confiado a terceira pessoa, cabem a esta os poderes e deveres dos pais que forem exigidos pelo adequado desempenho das suas funções.

3. O tribunal decidirá em que termos serão exercidas as responsabilidades parentais na parte não prejudicada pelo disposto no número anterior.

Artigo 1908.º

[…]

Quando se verifique alguma das circunstâncias previstas no artigo 1918º, pode o tribunal, ao regular o exercício das responsabilidades parentais, decidir que, se falecer o progenitor a quem o menor for entregue, a guarda não passe para o sobrevivo; o tribunal designará então a pessoa a quem, provisoriamente, o menor será confiado.

Artigo 1910.º

[…]

Se a filiação de menor nascido fora do casamento se encontrar estabelecida apenas quanto a um dos progenitores, a este pertence o exercício das responsabilidades parentais.

Artigo 1911.º

(Filiação estabelecida quanto a ambos os

progenitores que vivem em condições análogas às dos cônjuges)

1. Quando a filiação se encontre estabelecida relativamente a ambos os progenitores e estes vivam em condições análogas às dos cônjuges, aplica-se ao exercício das responsabilidades parentais o disposto nos artigos 1901.º a 1904.º.

2. No caso de cessação da convivência entre os progenitores, são aplicáveis as disposições dos artigos 1905.º a 1908.º.

Artigo 1912.º

(Filiação estabelecida quanto a ambos os

progenitores que não vivem em condições análogas às dos cônjuges)

1. Quando a filiação se encontre estabelecida relativamente a ambos os progenitores e estes não vivam em condições análogas às dos cônjuges, aplica-se ao exercício das responsabilidades parentais o disposto nos artigos 1904.º a 1908.º.

2. No âmbito do exercício em comum das responsabilidades parentais, aplicam-se as disposições dos artigos 1901.º e 1903.º.

Artigo 2016.º

[…]

1. Cada cônjuge deve prover à sua subsistência, depois do divórcio.

2. Qualquer dos cônjuges tem direito a alimentos, independentemente do tipo de divórcio.

3. Por razões manifestas de equidade, o direito a alimentos pode ser negado.

4.[…]»

Artigo 2.º

Aditamento ao Código Civil

São aditados ao Código Civil os artigos 1777.º-A, 2016.º-A, 2016.º-B, 2016.º-C, com a seguinte redacção:

«Artigo 1777.º-A

(Acordo sobre o exercício das responsabilidades parentais)

1. Quando for apresentado acordo sobre o exercício das responsabilidades parentais relativo a filhos menores, o processo é enviado ao Ministério Público junto do tribunal judicial de 1.ª instância competente em razão da matéria no âmbito da circunscrição a que pertença a conservatória, para que este se pronuncie sobre o acordo no prazo de 30 dias.

2. Caso o Ministério Público considere que o acordo não acautela devidamente os interesses dos menores, podem os requerentes alterar o acordo em conformidade ou apresentar novo acordo, sendo neste último caso dada nova vista ao Ministério Público.

3. Se o Ministério Público considerar que o acordo acautela devidamente os interesses dos menores ou tendo os cônjuges alterado o acordo nos termos indicados pelo Ministério Público, segue-se o disposto na parte final do n.º 1 do artigo anterior.

4. O incumprimento do regime fixado sobre o exercício das responsabilidades parentais constitui crime de desobediência nos termos da lei penal.

5. Nas situações em que os requerentes não se conformem com as alterações indicadas pelo Ministério Público e mantenham o propósito de se divorciar, aplica-se o disposto no artigo 1778.º.

Artigo 2016.º - A

Montante dos alimentos

1. Na fixação do montante dos alimentos deve o tribunal tomar em conta a duração do casamento, a colaboração prestada à economia do casal, a idade e estado de saúde dos cônjuges, as suas qualificações profissionais e possibilidades de emprego, o tempo que terão de dedicar, eventualmente, à criação de filhos comuns, os seus rendimentos e proventos, um novo casamento ou união de facto e, de modo geral, todas as circunstâncias que influam sobre as necessidades do cônjuge que recebe os alimentos e as possibilidades do que os presta.

2. O tribunal deve dar prevalência a qualquer obrigação de alimentos relativamente a um filho do cônjuge devedor sobre a obrigação emergente do divórcio em favor do ex-cônjuge.

3. O cônjuge credor não tem o direito de manter o padrão de vida de que beneficiou na constância do matrimónio.

Artigo 2016.º - B

Duração

A obrigação de alimentos deve ser estabelecida por um período limitado, embora renovável, salvo razões ponderosas.

Artigo 2016.º - C

Separação judicial de pessoas e de bens

O disposto nos números anteriores é aplicável ao caso de ter sido decretada a separação judicial de pessoas e bens.»

Artigo 3.º

Norma revogatória

São revogados os artigos 1780.º, 1782.º, n.º 2, 1783.º, 1786.º e 1787.º do Código Civil.

Artigo 4.º

Alteração de designação

A expressão “poder paternal” deve ser substituída por “responsabilidades parentais” em todos os diplomas legais e nas repartições oficiais.

Artigo 5.º

Começo de vigência

O presente diploma entra em vigor 30 dias após a sua publicação.

OS DEPUTADOS

10.04.2008

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