terça-feira, 7 de julho de 2009

"Lei não deve permitir os recursos como expediente"

"Lei não deve permitir os recursos como expediente"

Ontem

Entrevista a António Martins, presidente da Associação Sindical dos Juízes Portugueses.

Houve ou não um aumento dos processos envolvendo menores?

O número de casos aumentou, mas em termos qualitativos os processos não são mais complexos do que já eram. Agora, a percepção do fenómeno, graças à mediatização de uns casos traduz uma imagem distorcida da realidade. Isto é, há o em foque nos que correm mal e são mediatizados. Mas há muitos que correm bem e não são noticiados.

Não faltam juízes para o número de casos?

Não faltam. Pode é haver necessidade de uma melhor orgânica e gestão dos processos.

Defendeu há dias a necessidade de haver psicólogos e assistentes sociais nos quadros dos tribunais de menores. É muito importante?

Se as coisas estiverem bem montadas o resultado final será seguramente melhor. A intervenção nesta matérias deve ser multidisciplinar. Se for só jurídica arrisca-se muitas vezes a não passar do papel para a prática. Ora estando estes técnicos na Segurança Social, cada um faz o trabalho por si e ninguém está preocupado com o resultado final.

Muitas vezes se tem acusado os juízes de falta de bom senso. Como comenta isto?

É um mito. Os juízes são homens e mulheres como os outros. Grande parte são pais, mães e filhos. Agora o que devemos é ponderar se os juízes estão tão só a fazer o que é o seu dever, que é dar cumprimento à Lei.

Então a Lei é que não tem a sensibilidade que devia?

Esta semana foi publicado um estudo que revelava uma mudança de opinião das pessoas relativamente a vários aspectos, nos últimos dez anos. Se calhar o conceito da lei sobre todas as estas mudanças pode não ter a mesma sensibilidade que hoje existe na comunidade.

Está a dizer que a lei está desactualizada?

Foi o que disse, por exemplo, o Ins- tituto de Apoio à Criança quando propôs a revisão do conceito de superior interesse da criança. Esta proposta foi feita aos grupos parlamentares mas nenhum quis clarificá-lo.

Que pensa sobre esse conceito?

Como juiz não penso nada. Enquanto cidadão penso muita coisa. Mas não posso sobrepor as minhas convicções pessoais às do legislador. No dia em que o passarmos a fazer o juiz deixou de cumprir a lei.

Mas admite que a lei está distante da realidade das pessoas?

Admito que a lei deve servir os interesses sociais naquilo que é o conceito que a sociedade nos transmite de uma forma maioritária. A lei deve regular e pacificar conflitos, de modo a ser aceite genericamente pela comunidade.

E não está a fazer isso?

Não sei se está ou não. Mas devemos ter sempre uma certa dinâmica.

A lentidão da justiça explica-se apenas pela inexistência de mais tribunais especializados?

Regra geral não há lentidão. As primeiras decisões dos tribunais são tomadas em tempo útil. Agora há um arrastar das decisões por vários motivos. Um deles é o incumprimento das decisões tomadas pelos adultos, quando se trata de processo de regulação do poder paternal. Nestes casos acorda-se tudo mas não se cumpre nada. Depois temos os recursos sucessivos, para o supremo e para o constitucional, que a lei já não permite, só para não deixar transitar em julgado uma decisão. Isto acontece muito em processos sobre crianças em risco. Com isto perdemos dois ou três anos.

Como se pode alterar isso?

A Lei não deve ser tão permissiva emrelação ao uso destes expedientes. O recurso não pode ser usado para que os tribunais não funcionem, mas sim como garantia de direitos.

http://dn.sapo.pt/inicio/portugal/interior.aspx?content_id=1296699

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