sexta-feira, 30 de outubro de 2009

Psicólogo explica os efeitos da alienação parental na criança

No debate sobre o caso Goldman se fala em “pensar no bem estar do menino.” Trata-se essencialmente do estado emocional de Sean Goldman. A herança psicológica que o menino americano vai levar desse moroso processo judicial também deve interessar a todos que o amam. 

Foi para falar dos efeitos psicológicos que uma alienção parental causa que resolvi entrevistar o psicólogo João David Cavallazzi Mendonça.

Formado pela Universidade Federal de Santa Catarina, Mendonça é especialista em Psicologia Clínica e Professor e Supervisor Clínico no curso de Especialização em Terapia Familiar no Familiare Instituto Sistêmico, de Florianópolis.

O psicólogo não foi convidado para falar exclusivamente do caso Goldman (vejam que ele até cita a ética). No entanto, é papel do jornalista chegar até a fronteira do aceitável para buscar a verdade. 

O tema é fascinante e merece o espaço dedicado neste blog. Mendonça cobre vários campos cruciais no embate familiar, das inseguranças do filho, até o papel do pai-vítima e a função dos alienadores no processo pós-alienação da criança. 

Diz Joseph Califano, professor da Universidade Columbia: "Não estamos fazendo a apologia do casamento, mas quando decide ter um filho, o homem precisa ter consciência de que este sim é um compromisso indissolúvel.” O senhor está de acordo? Por quê? 
Concordo, especialmente quando o autor refere-se à paternidade como um compromisso indissolúvel. Gosto do termo “compromisso” porque me remete à idéia de que a presença do pai na vida da criança é tão importante quanto à presença da mãe. A cada dia surgem novos estudos e pesquisas que revelam a importância da presença paterna e sua influência positiva no desenvolvimento psicossocial das crianças, até mesmo como meio de prevenção contra o envolvimento em situações de drogadição e violência. 

Estudos de psicologia mostram que na faixa etária entre 0 a 4 anos, a criança começa a se identificar com a figura materna, se menina, e com a figura paterna, se menino. Nesta fase do desenvolvimento emocional e cognitivo, quais os riscos das sequelas de um divórcio? 
Nenhuma criança deseja, a priori, a separação de seus pais, e geralmente esta é uma situação de muito sofrimento para ela. No entanto, os efeitos do divórcio sobre a criança dependerão muito das circunstâncias em que se dá esta separação. Se o divórcio é feito de uma maneira em que há respeito mútuo entre os pais, o desenvolvimento psicológico da criança não estará necessariamente prejudicado. Se ela percebe que apesar das dificuldades inerentes a um processo de separação, há um clima de cooperação e convivência mínima, será mais fácil para a criança assimilar e elaborar a nova configuração familiar. Por outro lado, o que se constata é que quanto mais grave e intensa for a batalha entre os ex-cônjuges, incluindo aí a proibição de visitas, maior o sofrimento psíquico dos filhos envolvidos. Neste caso, as crianças podem vir a desenvolver sintomas os mais variados como uma resposta emocional ao seu sofrimento. Podem apresentar sintomas de depressão, alterações no comportamento, diminuição do rendimento escolar, ansiedade de separação, ou podem ainda desenvolver fobias ou retraimento social. 

Em quanto tempo depois do afastamento do outro genitor, a criança começa a dar os primeiros sinais de depressão? 
Não há um período propriamente determinado, pois isto dependerá de várias circunstâncias que envolvem o caso. Há condições internas e externas que podem afetar o rumo das coisas. A presença de pessoas significativas para a criança, que lhe ofereça amparo, afeto e compreensão, pode servir como um fator de prevenção da depressão ou outra conseqüência negativa advinda da separação. Mas é comum que após algumas semanas sem o convívio com um dos genitores, especialmente quando a espera pelo contato vai aumentando e o contato não ocorre, algumas crianças passem a sentir uma saudade que se transforma em tristeza, que por sua vez pode se constituir num quadro de depressão. 

No caso da alienação parental, como a criança se sente tendo que anular os momentos felizes que passou com os dois pais, e sendo forçada a lembrar momentos tristes? Como a criança encara as novas informações contadas pelo alienador sobre o pai alienado? 
Com bastante confusão. Penso aqui em dois cenários. Um deles é a falta de informações a respeito do genitor ausente, que pode gerar na criança fantasias de ter sido abandonada ou rejeitada. No outro cenário, característico da “alienação parental”, as informações recebidas pela criança a respeito do genitor alienado são sempre de desqualificação e críticas negativas, com vistas a denegrir a sua imagem perante a criança. Eu considero ambos os cenários uma forma de abuso psicológico contra a criança, cujas conseqüências podem incluir até mesmo sérios distúrbios emocionais, transtornos de identidade e drogadição. Na Terapia de Família, trabalhamos com um importante conceito que pode se encaixar neste caso, que é o da “lealdade invisível”. Mesmo que a criança inicialmente não concorde nem perceba o genitor ausente sob a ótica do genitor alienador, ela passa a “ter que acreditar” nas mesmas coisas devido ao seu vínculo e dependência emocional com o genitor que está mais próximo. Ou seja, apesar de gostar e sentir saudade do genitor alienado, a criança não pode deixar transparecer tal sentimento, sob pena de decepcionar ou desagradar o genitor com quem ela convive. É simplesmente uma situação enlouquecedora para a criança. 

De que forma pode-se ajudar os pais que sofrem com filhos separados de seu convívio? 
Ajudá-los, antes de tudo, a compreender que o filho separado pode estar vivenciando um conflito de lealdade invisível, em que ele se sente com o coração literalmente dividido, sem que consiga se dar conta disso. É papel do adulto compreendê-lo. Considero também importante que estes pais estejam disponíveis e sensíveis à necessidade da criança, mesmo que à distância, e tentar pensar como estes pais poderiam se fazer presentes de outras formas, enquanto a presença física ainda não é possível ou é limitada. Seria possível escrever cartas, enviar vídeos, comunicar-se pela internet, enfim, tentar criar meios de participar de alguma forma da vida da criança. E, claro, uma ajuda profissional para lidar com esta ausência poderia ser muito benéfica também. 

Porque o alienador não enxerga que ao separar o genitor do filho o principal prejudicado é a criança? 
Porque na maioria das vezes o alienador está tão cego pelo ódio e rancor, por desejos de vingança, que toda esta perturbação emocional não permite que ele esteja sensível às necessidades óbvias da criança naquele momento, que é o de ter o direito de conviver com ambos os pais. Também creio que o medo do alienador de perder o afeto de seu filho para o “outro” também é um fator que impede que ele perceba o sofrimento da criança, apesar de amá-la de fato.

Como deve ser o tratamento da criança depois que ela descobre que todo aquele sentimento sobre o alienado era falso? 
A criança pode vir a se sentir culpada por ter sido injusta com um dos genitores, ou pode sentir-se aliviada ao perceber que este genitor não era aquele monstro que estavam falando. Ou ainda, podem surgir sentimentos de raiva contra o genitor alienador. Ou, o mais provável, é que tudo isto apareça junto. Então, o tratamento deve abordar toda esta gama de sentimentos, a culpa, a raiva, o alívio, e especialmente, deve buscar ajudar a criança a reintegrar o genitor alienado em sua história de vida, sem que ela precise, para isso, renunciar ao outro genitor. É ajudá-la a construir e recontar a sua história, agora com pai e mãe, mesmo que pai e mãe não sejam mais marido e mulher.
 
Qual conselho o senhor daria para pessoas que afastam os filhos dos pais? 
Dar conselhos é sempre difícil, e não sei se as pessoas estão dispostas a recebê-los. Mas creio que eu sugeriria a estas pessoas que fizessem uma sincera revisão de vida, e buscassem honestamente um divórcio emocional de seu ex-cônjuge, além do divórcio judicial. Afinal, tenho muitas razões para acreditar que ex-cônjuges que ficam eternamente lutando entre si estão mostrando que ainda não se divorciaram de fato. O litígio é apenas uma maneira de continuarem vinculados um ao outro.

No caso de um pai que recupera o direito de morar com o filho, como esse pai poderia agir para auxiliar o filho neste momento difícil (perda da mãe, mudança de residência)? 
Reestruturar sua vida para dar toda segurança psicológica a essa criança, buscar todos os recursos possíveis para que ela tenha meios de lidar com estas mudanças, e especialmente, não reagir à ex-esposa da mesma maneira com que ela possa ter agido com ele. Ou seja, não privar a criança do contato e convívio com o outro genitor, nem com sua família ampliada.

Como a família materna de Sean pode ajudar nesta transição se ele for morar com o pai? E no caso da criança ficar no Brasil, como eles devem agir para aproximar pai e filho? 
Não conheço os detalhes jurídicos do processo do caso Sean, apenas possuo as informações que acompanho através da mídia, especialmente pela web, já que é sabido que a família materna vem tentando impedir a divulgação do caso pela imprensa brasileira. Portanto, prefiro falar em tese, para que eu não incorra em alguma injustiça. Eticamente, não me sinto capacitado a fazer algum tipo de análise de uma família com a qual não tive contato pessoal para entender melhor as circunstâncias que cercam um caso tão complexo. Mas sinto-me à vontade para afirmar que, seja quem for o portador da guarda de Sean, é fundamental que se compreenda que “ter a guarda” da criança não é sinônimo de “ter a posse” da criança, e que da mesma maneira, aquele que não detém a guarda, não é apenas um coadjuvante, ou um personagem secundário na história. Fique no Brasil, ou volte para casa, Sean precisará muito da ajuda tanto do pai quanto da família materna, para que ele se restabeleça deste pesadelo que ele vive desde os 4 anos, quando foi abruptamente retirado do convívio com o pai. É difícil imaginar que depois de um litígio como este, que tomou proporções internacionais, as famílias envolvidas possam chegar a uma convivência pacífica, mas eis aí a grande oportunidade para que eles demonstrem ao mundo o quanto realmente amam Sean. 

Será mesmo necessário ter psicólogos presentes quando o genitor visita a criança? Isto não gera um certo desconforto – ou pode ser considerado intimidação? 
Sim, pode ser um meio de manter controle sobre a visita, mas em alguns casos pode ser uma medida para salvaguardar a criança. Entretanto, não tenho certeza se no caso em questão a presença do psicólogo é uma decisão do juiz, baseada em algum risco concreto, ou apenas uma jogada de marketing da família materna.


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