Os últimos dias têm sido pródigos em «casos de justiça». O Ministério Público pediu à Relação de Coimbra que reconsiderasse os prazos de "entrega" de Esmeralda ao pai biológico; em Vila Real uma criança de seis anos, entregue aos 20 dias a uma família de acolhimento, foi retirada pelo tribunal e «condenada» a uma quarentena numa instituição, para em seguida ser entregue à mãe, que a abandonou à nascença. Face a tudo isto, o Instituto de Apoio à Criança fez a única coisa que parece lógica: pediu ao procurador-geral da República que defina o que é, afinal, o "superior interesse da criança", esse conceito pelos vistos tão vago que permite uma dualidade de critério, que não deixa entender as regras do jogo.
Por seu lado, o Fórum TSF veio lançar, e bem, mais umas achas para a fogueira, dando eco ao relatório da Ordem dos Advogados sobre a situa-ção dos tribunais de Menores e Família. Os números falam por si: 40 mil processos pendentes. Calma, não é no País inteiro, mas apenas em sete comarcas de Lisboa! Diz o estudo, citado por aquela estação de rádio, que uma acção de regulação do poder paternal - basicamente decidir se o poder fica com o pai, a mãe ou com quem o apanhar! - demora entre 4 e 6 anos a ser resolvido. Se imaginarmos, sem esforço, que estes são os processos litigiosos, percebemos que há milhares de crianças que andam em bolandas porque ninguém grita um "basta!".
O estudo da OA diz, ainda, que há inúmeros processos de divórcio parados desde 2000, que no tribunal de Sintra pode levar um ano a apensar um documento a um processo, e que por um relatório solicitado ao Instituto de Reinserção Social, um juiz pode esperar um ano, e se o documento for pedido o Instituto de Medicina Legal é natural que demore um ano e meio. Enquanto isto, continuam a extinguir-se Tribunais de Menores e Família e retiram-se meios às equipas que trabalham nesta área.
No site da OA, pode ler-se um artigo de imensa sabedoria do advogado Luís Silva, que coloca o dedo na ferida: «O Direito dos menores é um direito ainda "menor" e jovem, faltando formação e sensibilidade para esta área também ao nível curricular do Direito e da própria formação contínua na advocacia.» Por pudor não deve ter alargado o comentário a juízes e ao MP. Mas já explica muito.
Fonte: http://www.destak.pt/artigos.php?art=6213
Poder Paternal: movimento quer ouvir crianças
O movimento de Vila Real «Juntos pela Iara - As Crianças têm Voz» está a promover uma recolha de assinaturas por todo o país para que as crianças tenham o direito de ser ouvidas em casos judiciais para atribuição do poder paternal.
Délio Carquejo é o porta-voz deste movimento e tio afectivo da Iara, a criança de seis anos que, de acordo com a decisão do Tribunal Judicial de Vila Real, terá que deixar os pais afectivos com quem está desde os 25 dias para ir viver para a mãe biológica.
Foi esta decisão da justiça que levou um grupo de cidadãos de Vila Real a lançar o movimento de apoio aos pais afectivos Américo e Graça Carquejo e que defende o «direito das crianças poderem expressar as suas vontades e os seus desejos».
«As crianças não têm tido voz, não tem sido ouvidas aquando da tomada de decisão por parte dos tribunais, na qual acaba sempre por prevalecer a família biológica», afirmou à Agência Lusa.
Acrescentou que as decisões são tomadas sem serem tidas em consideração os «principais intervenientes nestes processos», que são as crianças.
Délio Carquejo referiu ainda que as decisões são tomadas numa fase em que a criança se encontra numa idade em que a sua construção de identidade está em plena afirmação pessoal e social.
«Isto não afecta apenas as crianças vítimas desta situação, mas toda a sociedade que assiste, revoltada e estupefacta, perante as decisões arbitrárias do sistema judicial português, como aquela que nos leva a solicitar esta petição», salientou.
O tio afectivo diz que a Iara é uma criança que «cresceu rápido de mais».
A agravar a situação está também, segundo Délio Carquejo, a decisão judicial que diz que a Iara será «recuperada» da instituição escolar que frequenta «cortando radicalmente» com a família com quem viveu durante toda a sua vida.
Também Acácio Valente, especialista em bioética, refere que a decisão judicial de retirar a Iara aos seus pais de afecto vai ter «repercussões gravíssimas» para a criança que «está numa se estruturação da sua personalidade».
Considerou ainda que a institucionalização da menina vai «agravar o problema».
É que, de acordo com a decisão do tribunal de Vila Real, a menina, antes de ser entregue à mãe biológica, terá de passar 30 dias numa instituição designada pela Segurança Social para que seja promovida a reaproximação entre a Iara e a mãe biológica.
«O juíz recolhe-se na jurisprudência e não teve o cuidado de conciliar as suas partes intervenientes, os pais afectivos e a mãe biológica», frisou.
Segundo Délio Carquejo, para além da petição, que será posteriormente entregue ao Presidente da República e na Assembleia da República, estão a ser organizadas outras iniciativas, tais como espalhar autocolantes para serem colocados nas viaturas com o slogan «todos por mim».
Um grupo de empresários vai também espalhar pela cidade outdoors de apoio à família Carquejo.
No final de Novembro, o Instituto de Apoio à Criança (IAC) entregou ao Procurador-Geral da República um documento que apela à clarificação do «superior interesse da criança» em casos judiciais, que deverá ser difundido pelo Ministério Público.
A presidente do IAC, Manuela Eanes, referiu, na altura, que o documento centra-se também nas «relações psicológicas profundas» da criança e do seu direito a ser ouvida.
Manuela Eanes salientou que «vários casos e decisões recentes» dos tribunais em caos envolvendo crianças «tiveram influência na elaboração mais rápida do documento».
O advogado da família afectiva, Fernando Miranda, disse que vai interpor recurso ao Tribunal da Relação do Porto no decorrer desta semana.
O causídico afirma que o despacho do tribunal exige »um corte radical« com a família, não prevendo qualquer tipo de visita ou proximidade com a criança.
Fernando Miranda explicou que o recurso não terá qualquer tipo de efeito suspensivo, tendo de ser cumprida a ordem do tribunal.
«Nunca antes do Natal haverá uma decisão por parte do tribunal, o que vai obrigar a que a menina passe o Natal numa instituição», salientou.
O advogado da mãe biológica, Paulo Souto, disse à Lusa que o Tribunal de Vila Real tomou a decisão de retirar a menina aos pais afectivos em «último recurso» e devido aos «obstáculos» levantados pelo casal que «impediam a aproximação» da menina à progenitora.
«A mãe é uma jovem que há vários anos luta para recuperar a sua filha», afirmou Paulo Souto.
O advogado assegurou que a progenitora tem «todas as condições emocionais e financeiras» para receber a criança e frisou que estão em causa «apenas os interesses da menor».
Diário Digital / Lusa
03-12-2007 12:50:00
Fonte: http://diariodigital.sapo.pt/news.asp?section_id=13&id_news=307582
Poder e preconceito | ||||||||||||||||||||
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A realidade sociológica dos filhos de pais separados, estigmatizante até o ao princípio dos anos setenta de antanho, é hoje uma inteira normalidade. Os temas relativos ao poder paternal sobre filhos menores de pais separados ganharam ultimamente grande visibilidade. Essa notoriedade é francamente positiva... mas por maus motivos. Na verdade, os debates que se têm travado sobre o assunto evidenciam as perversões do sistema legal, auxiliadas pela atitude de uma certa magistratura, em parte demasiado intolerante e, noutra parte, demasiado permissiva. Intolerante porque reage com excessiva prudência e rigor na aplicação da lei e a certas acusações entre progenitores (por vezes de uma indescritível torpeza); permissiva porque se preocupa pouco com as consequências do excesso de rigor na aplicação da lei e na confirmação da realidade material das ditas acusações. As circunstâncias que refiro têm sido consideradas ultimamente na temática da chamada "alienação parental". Sou muito céptico em relação às tendências da moderna pedagogia/psicologia, que parecem concluir que a busca da excelência não passa de pedantismo e a que mediocridade é algo que, mais do que aceitável, deve ser promovida. O resultado disto é o que se vê nas escolas... Mas, pelo que toca à identificação da dita "alienação parental", ela é inteiramente justificada, seja lá de que tendência da pedagogia/psicologia provenha. Nos tribunais assiste-me muitas vezes a situações em que um dos progenitores pretende erradicar o outro da vida do filho. Normalmente, ligam-se com o fim da relação entre os pais e a vítima do ataque é o pai do(a) menor... a mãe tem a pretensão de que o "divórcio" seja global, isto é, que abranja também a quebra dos laços de afectividade entre o pai e o filho. Este objectivo é, também normalmente, conseguido através de uma estratégia de demonização do pai perante o tribunal, o que conduz à atribuição do poder paternal à mãe (ao contrário do muita gente pensa, "custódia" é expressão que não existe na lei portuguesa). Para este estado de coisas contribuem, por um lado, a lei e, por outro, a estranha atitude de alguma jurisprudência. A lei, porque só permite a partilha do poder paternal se os pais nisso estiverem de acordo, impedindo o juiz de a determinar na falta do mesmo. Quanto ao dito sector jurisprudencial, continua a verificar-se que há quem pense que a mãe é, por definição (indemonstrada, claro está!), o melhor dos dois progenitores para o exercício do poder paternal. É preconceituoso e absolutamente inaceitável quanto às pessoas que têm o poder jurídico de decidir a vida de outrem. Há pouco tempo foi-me mostrada uma decisão de uma magistrada do Ministério Público do Tribunal de Família e Menores de Lisboa que rejeitava um acordo de regulação do poder paternal feito pelos pais, no qual se previa a guarda conjunta alternada por 15 dias. Motivos: a lei não o permite expressamente (art. 1906, n.º 1, do Código Civil) e esse regime cria instabilidade (abstracta) aos menores! Quanto ao primeiro argumento, a interpretação proposta para a lei é rígida, formalista e não atende aos interesses materiais em causa. Além do mais, atenta contra as próprias regras sobre a forma como deve ser interpretada uma lei (art. 9.º do Código Civil) e contra a jurisprudência de tribunais superiores, em cujas decisões se faz interpretação oposta. O segundo argumento é pior, porque revela uma "cegueira" total em relação à realidade sociológica em que hoje vivemos. Ninguém com poder decisório num tribunal de família deve ignorar que as concepções sociais estão sempre um passo à frente do legislador, devendo a lei ser interpretado e aplicada de forma a adaptar-se o mais possível às necessidades reais das pessoas reais. Porque é a essas que direito se dirige! É caso para lembrar a esses senhores que têm o poder decisório nesta matéria, que o divórcio já foi em tempos proibido e que a mulher casada era tratada pela lei como se demente fosse e que tudo isso era objecto de forte rejeição social! Mas há mais: da referida decisão de indeferimento, porque proferida no âmbito de processo de divórcio por mútuo consentimento, não há recurso; os pais estão de acordo quanto ao que é o melhor para o seu filho e não se pode dizer que esse acordo seja objectivamente mau para o menor ou irrazoável; mas quem decide mesmo o que é melhor para a criança é o magistrado do Ministério Público, cuja decisão não é sindicável no processo. Isto é que é ter poder... Advogado e docente universitário |
Fonte: http://clix.expresso.pt/gen.pl?p=stories&op=view&fokey=ex.stories/179025
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