quarta-feira, 9 de janeiro de 2008

GUARDA DE FILHOS, HOMENS DISCRIMINADOS

GUARDA DE FILHOS QUANDO OS HOMENS TAMBÉM SÃO DISCRIMINADOS
Eliana Giusto
Advogada.
Licenciada em Filosofia.
Especialista em Educação Especial (Estimulação Precoce).
Presidente do IBDFAM em Caxias do Sul (RS).
Integrante da Comissão de Eventos da OAB/RS - Subsecção de Caxias do Sul.

(Publicada na Revista Brasileira de Direito de Família nº 03 - OUT-NOV-DEZ/1999, pág. 66)

"O Preceito ainda existente em relação ao homem que quer disputar a guarda dos filhos é tamanho que, quando consultam um advogado, logo são desestimulados. Enquanto a psicologia diz sim, o Judiciário diz não"

Na esfera judicial, fala-se muito da omissão do pai, principalmente em sede de investigação de paternidade e separação judicial, quando existem filhos. Isto certamente decorre dos resquícios do antiquado papel socialmente imposto aos casais, que reservava à mulher a tarefa da educação dos filhos e cuidados da casa, e ao homem o encargo do sustento da família, das decisões, isto é, quando era o chefe da família. Neste tempo não lhe cabia desempenhar certas funções, hoje inerentes ao modelo de pai adequado.

Considera-se bom pai, na atualidade, aquele que participa efetivamente de todas as esferas do desenvolvimento do filho.

Muitas pessoas, dentre as quais alguns julgadores, procuradores e promotores nasceram e cresceram sob a égide deste antigo modelo de pai e trazem consigo as marcas indeléveis desta educação. Isto fatalmente se reflete na maneira de conduzir e de julgar as ações que tramitam na esfera do Direito de Família, apesar das fortes correntes atualizadoras que aí se podem identificar.

Na contra-mão da história, muitas pessoas ainda vêem a mulher como a única pessoa adequada para desempenhar o cuidado dos filhos e do lar, mantendo o homem no papel de provedor.

São comuns as ações de investigação de paternidade, onde aparecem casos de um homem e uma mulher que se conheceram, tiveram relações sexuais, com ou sem suporte afetivo, resultando daí uma gravidez (quase sempre indesejada).

Nasce a criança e o pai não assume o suposto filho. Depois de várias tratativas (infrutíferas) de acordo entre os dois, seguidas da consulta ao advogado, sobrevem a ação investigatória de paternidade, cumulada com alimentos. Segue-se, então, a perícia e a sentença, geralmente de procedência.

Quase sempre goela abaixo, o pai assume o filho, ou melhor, atende à condenação judicial e passa a pagar alimentos. Fixam-se visitas, quase sempre quinzenais, que muitas vezes não saem do papel. São enormes os ressentimentos daí originados. O réu permanece muito longe de assumir a paternidade e todos os seus consectários. Esta situação é bastante comum neste tipo de ação, embora, é claro, existam exceções.

Em resumo, através do comportamento masculino e também do feminino, e do resultado das ações judiciais, em muitos casos vê-se mantido o velho modelo de família, que atribui à mulher a tarefa da educação e cuidados com o filho, e ao homem o papel de mantenedor.

Já nas ações de separação judicial, quando o casal tem filhos, é deferida a guarda, quase que na sua totalidade, à mãe. Ao pai, fixam-se as visitas e a pensão alimentícia. E que ele nunca ouse inadimplir!

Também aqui trata-se de uma situação que é bastante comum nas varas de família. Evidentemente, não é sempre assim. Analisaremos, então, as condutas que se apresentam de maneira diversa. Isto é, quando o pai quer ser realmente pai, na mais ampla acepção que a atual organização social e a Psicologia dão à palavra.

Numa separação judicial, ou numa investigatória de paternidade procedente, quando existe a intenção de disputar a guarda dos filhos, o que se pode esperar, na esfera jurídica?
O preconceito ainda existente em relação ao homem que quer disputar a guarda dos filhos é tamanho que, quando alguns timidamente consultam seu advogado sobre o assunto, são logo desestimulados. Enquanto a psicologia diz "sim", o judiciário diz "não".

E este comportamento é reforçado porque os advogados que atuam na área de família sabem que para que a guarda dos filhos seja deferida ao pai, supondo-se a condição de igualdade deste com a mãe, os anjos têm que descer do céu e explicar que pai também pode cuidar e educar os seus filhos e que isto, hoje, não é uma tarefa exclusiva das mulheres.

Claro que isso também está sendo abordado de maneira ampla e generalizadora. Existem exceções, mas que ainda têm o grave defeito de serem exceções. A igualdade entre homem e mulher, prevista pela Constituição Federal está longe de ser uma realidade. E, neste ponto, no trato com os filhos, os homens ainda perdem de longe para as mulheres e são altamente discriminados.

Porém, graças a uma certa evolução da sociedade ocidental, já é possível encontrar muitos pais assumindo, verdadeiramente, a sua função paterna, tão estimulada pelos estudiosos das relações interpessoais. E é em defesa destes que me insurjo. Estes pais são desbravadores. Numa nova estrutura social, mudam conceitos e estabelecem a face de uma nova família, que aos poucos vem surgindo. Esta família tem como suporte principal o afeto e estes pais não se contentam em apenas emprestar o nome e a garantir a subsistência do filho. Tal comportamento os destaca e, por isso, merecem ser reconhecidos e defendidos, retirados da vala comum em que são atirados, na maioria das vezes, quando réus nas investigações de paternidade ou quando são parte nas ações de separação judicial e disputam a guarda dos filhos.

Na minha experiência como advogada familista, já me deparei com vários deles, que suscitaram meu questionamento quando os vi sendo tratados de maneira cruel pelo sistema judiciário, ao tentarem exercer com amor e responsabilidade seu papel de pai.

E até por parte dos advogados que os defendem a batalha é incansável, interminável e desanimadora. A quantidade de petições, perícias e recursos de toda natureza é tamanha, que defender o pai que pretende a guarda do filho torna-se uma tarefa incrivelmente difícil.

Quando pai e mãe não moram juntos, nos casos de investigação de paternidade ou de separação judicial, é comum serem determinadas visitas em finais de semana alternados, para que os filhos tenham contato com o pai. Em contrapartida, se este não pagar a pensão alimentícia, pode ser preso.

O desequilíbrio, entre os direitos e as obrigações de pai, no trato judicial, é gritante. Nestas situações, a discriminação do homem-pai é imensa.

Na verdade, o pai só consegue ganhar a árdua disputa pela guarda dos filhos quando ocorrem sérias perturbações com a mãe, diante de laudos psicológicos e sociológicos plenos de informações graves sobre o comportamento materno, ou quando ela concorda com o pedido.

A igualdade de condições entre pai e mãe geralmente dá a vitória à mulher, discriminando o homem. Nestes casos, o contraditório nem se estabelece. A bem da verdade, isto fere princípio constitucional, podendo ensejar, na esfera processual, recurso até o Supremo Tribunal Federal.

Na lide forense, sabe-se que a disputa processual, que é resolvida apenas com o recurso à superior instância, no caso referido ao STF, dura vários anos. E, quando a matéria diz respeito à guarda de filhos, nestes anos em que a disputa se prolonga, eles crescem, perdendo-se o objeto da lide. Os filhos cresceram, foram cuidados e educados pela mãe, quando não pela avó ou pela babá, e todas as teorias psicológicas quanto à presença do pai na sua educação e formação de caráter, personalidade e identidade sexual se perderam no tempo. Resta, então, como um último recurso, na esfera pessoal, a terapia psicológica, que nem sempre é buscada, ou mesmo eficaz.

Para se ter uma idéia do que acontece no mundo jurídico, em especial nas varas de família, citamos um caso de nosso conhecimento, em que o pai está perdendo a guarda de seu filho até para a babá. Explicando melhor, o pai foi réu em ação de investigação de paternidade. Com a realização da perícia, comprovada a paternidade, este resolveu assumir, verdadeiramente, a sua função de pai. A guarda, como de praxe, foi concedida à mãe. Ao pai, foi determinado o direito de visitas em finais de semana alternados e o pagamento de pensão alimentícia. Após muita batalha, este conseguiu, judicialmente, mais um dia de visita, em quartas-feiras alternadas.

Ocorre que a profissão da mãe exige-lhe constantes viagens e, quando estas acontecem, a criança fica com a babá, sendo que o pai fica impedido de estar com seu filho, mesmo diante da ausência da mãe.

Para solucionar esta situação, há que ser acionado, mais uma vez, todo o sistema judiciário, peticionando, marcando audiências, perícias, promovendo recursos, até que o pai (exausto), e seu advogado (exausto), consigam obter uma resposta judicial à questão, num prazo de um a dois anos, quando tudo corre bem.

A falha na resposta judicial nas questões de família, pela demora, despreparo e preconceito é imensa, e suas conseqüências são funestas, pois refletem-se diretamente na base da sociedade, que é a família.

Tudo isto pode ser evitado, ou, ao menos, minimizado, com o empenho e o estudo dos profissionais que atuam na área, e muito critério nas decisões de questões de família. Esta meta, é claro, não é fácil. Mas a dificuldade deve ser enfrentada como desafio, e não como empecilho.

Mas existem outras pessoas de olho no "novo pai". Numa entrevista concedida à revista ISTO É (agosto/97), a escritora Rosiska Darcy de Oliveira, que também é psicóloga, socióloga, advogada e presidente do Conselho Nacional dos Direitos da Mulher, vinculado ao Ministério da Justiça, assim se pronunciou a respeito da guarda de filhos: "Não é justo que sempre se dê a guarda das crianças à mãe. Neste caso, os homens são discriminados". E quem afirma isto é uma mulher!

Para que esta situação se reverta e os homens também possam estar em igualdade com as mulheres, em discriminações, no desenvolvimento da função de criar e educar os filhos, há que se ter, primeiramente, a coragem de abordar o tema, uma vez que a figura da mãe é sagrada, e falar contra ela pode ter uma conotação de sacrilégio. Na verdade, não se quer falar contra a mãe, mas a favor do pai. Principalmente deste pai que quer, realmente, exercer a função paterna de maneira eficiente e adequada.

Os estudiosos das relações de família sabem que é de extrema importância a figura do pai na estruturação dos filhos, principalmente se for menino.
Nos dias atuais, em razão do acentuado índice de separações e divórcios, além das chamadas "produções independentes", são inúmeras as famílias nas quais não existe a figura do pai. Ou, se existe, é de alguém que vem visitar, de vez em quando, e traz presentes.

Este tema, além de preocupar os advogados familistas, juízes e promotores, é amplamente abordado por médicos, psicanalistas e outros profissionais que atuam nas relações familiares. Dentre eles, destacamos o psicanalista canadense, Guy Corneau, que aborda o tema na excelente obra "Pai Ausente, Filho Carente" 1. Na dita obra, cita um outro profissional da área, Dr. Hubert Wallot, médico e professor da Universidade de Quebec, que assinala importantes e alarmantes dados estatísticos:

"... na proporção de quatro para um, os homens sofrem de alcoolismo e toxicomania; igualmente predominam na proporção de três para um em suicídios e comportamento de alto risco. Finalmente, também são em número superior em relação à esquizofrenia. E o médico conclui que a ausência freqüente do pai e de modelos masculinos junto à criança parece explicar certas dificuldades de comportamento ligadas à afirmação da identidade sexual do homem (pp. 11/12)".

Mais adiante, na mesma obra, analisando sempre a função do pai, o autor refere:
"Os filhos que não receberam uma 'paternagem' adequada enfrentam com freqüência os seguintes problemas: na adolescência tornam-se confusos quanto a sua identidade sexual e muitas vezes apresentam uma feminização do comportamento; falta-lhes amor próprio; reprimem sua agressividade e, com ela, sua necessidade de afirmação, sua ambição e sua curiosidade exploratória. Alguns podem sofrer bloqueios relativos à sexualidade. Podem também ter problemas de aprendizagem. Demonstram muitas vezes dificuldades de assumir valores morais e responsabilidades em desenvolver o senso do dever e de obrigação em relação ao outro. Ausência de limites se manifestará tanto na dificuldade de exercer a autoridade, quanto na de respeitá-la; finalmente, a falta de estrutura interna ocasionará certa fraqueza de temperamento, ausência de rigor e, em geral, complicações na organização da própria vida. Além do mais, as pesquisas indicam que têm maior propensão ao homossexualismo do que os filhos cujos pais estiveram presentes (p. 30)".

Diante dos breves comentários aqui ventilados, pode-se ter uma idéia das graves conseqüências decorrentes da ausência da figura paterna durante o desenvolvimento estrutural da criança. Pode-se também ter idéia da enorme responsabilidade que está a cargo das pessoas envolvidas com questões familiares na esfera judicial, quer sejam elas partes na relação jurídica, procuradores, julgadores, peritos, etc.

Visitas quinzenais, ou, quando generosas, semanais, nem de longe suprem na criança a lacuna existente quanto à figura paterna. E a pensão alimentícia cuida apenas de suprir a parte material.

Contudo, pais presentes existem. São amorosos, responsáveis e batalhadores, mas sofrem ainda graves discriminações. E para o bem de seus filhos e de uma sociedade melhor, devem ser acolhidos pelo sistema jurídico, ao menos com igualdade em relação à mulher, quando se trata de questões de guarda.

Na verdade, tudo isso é para dizer que cuidando melhor destes assuntos, teremos como resultado uma sociedade constituída de pessoas mais equilibradas, mais sadias e mais felizes.

E a vida de todo e qualquer ser humano não se resume na busca constante da felicidade?





Bibliografia:
WINNICOTT, D. W. A criança e seu mundo. 6. ed. Zahar, 1982.
CORNEAU, Guy. Pai ausente filho carente. Brasiliense, 1997.
DORAIS, Michel. O homem desamparado. Loyola, 1994.
FACHIN, Luiz Edson. Da paternidade; Relação biológica e afetiva. Del Rey, 1996.

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