terça-feira, 30 de setembro de 2008

Divórcio, culpa e o medo do contágio

Divórcio, culpa e o medo do contágio
30 | 09 | 2008 10.20H

Não era sem tempo que se eliminava a palavra «culpa» da lei do divórcio. Por instinto de conservação, a sociedade detesta roturas, sobretudo aquelas que afectam a sua célula base. Um divórcio funciona como a pedra que é atirada à água e cria ondas a perder de vista: ao verificar que alguém decidiu «romper» com a vida que tinha, todos os outros se questionam imediatamente sobre a sua própria relação.

Para afastar o medo de contágio, o receio de que possam ser eles os «abandonados», ou para fechar os olhos à tentação de fazer o mesmo, muita gente reage agressivamente, procurando desesperadamente um culpado. Foi «ele», foi «ela», foi a «outra», alguém tem que servir de bode expiatório e receber o devido castigo, para que as águas do lago possam voltar a ficar tranquilas.

Face a isto, os membros do casal percebem que se desejam a solidariedade da comunidade, há que provar que o «mau» é o outro. E a partir daí a campanha começa, mesmo que implique cilindrar os filhos. As crianças transformam-se em vítimas dos próprios pais que se esforçam por convertê-los em suas testemunhas abonatórias.

Na prática já há muito que os tribunais não faziam o papel de árbitros, mas o mito da «justiça final» atiçava o fogo da vingança, a ilusão do conforto de uma sentença que decretasse de quem era, afinal, «a culpa». Já a palavra responsabilidade faz todo o sentido. Um contrato envolve sempre direitos e deveres, de que se conhecem à partida as consequências que obviamente terão de ser assumidas. Mas era mil vezes preferível que para resolver os seus conflitos, as pessoas preferissem o bom senso e o amor aos filhos aos tribunais.

Isabel Stilwell | editorial@destak.pt

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