segunda-feira, 16 de junho de 2008

Guarda de filhos em caso de divórcio dominada por visões tradicionais


Segunda-Feira, 16 de Junho de 2008
Guarda de filhos em caso de divórcio dominada por visões tradicionais Vasco Lopes

A convite da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias, a associação Pais Para Sempre apresenta hoje um parecer escrito sobre o projecto de lei do PS que visa alterar o Código Civil no tocante ao regime jurídico do divórcio. De acordo com um comunicado da própria associação, o parecer “incidirá sobre as questões relativas ao exercício duma parentalidade positiva e à forma como melhor se pode garantir a efectividade do direito dos filhos à vida familiar e às suas relações pessoais”.

SEMÂNTICA... E MUITO MAIS
Já em 2001, esta associação para a defesa dos filhos de pais separados tinha apresentado uma petição na Assembleia da República, onde era pedida a substituição, no texto da lei, do termo “poder paternal” por “responsabilidade parental”. Pode parecer apenas uma questão de português, mas, para João Mouta, presidente da associação, trata-se de uma alteração “com vista a assegurar o interesse e os direitos da criança, de molde a que esta possa crescer e tornar-se um adulto válido e responsável”.
“Durante largos anos [e esta é uma visão oriunda, sobretudo, do século XIX], a criança era vista como algo de que se poderia dispor”, explicou ao NM João Mouta, frisando ainda: “Hoje em dia, é líquido pensarmos na criança como alguém que necessita de cuidados especiais, o que representa uma completa mudança nas mentalidades. No entanto, a expressão «poder paternal» é ainda uma reminiscência do velho pensamento do século XIX, pelo que urge mudá-la. Aliás, a legislação europeia, bem como a actual Lei de Protecção de Crianças e Jovens em Perigo já utiliza a expressão ‘responsabilidade parental’”.
“O que está em causa é percebermos que as mães e os pais não detêm qualquer poder sobre os filhos, mas sim a responsabilidade”, sublinhou ainda o presidente da Pais Para Sempre, associação em cuja página da Internet encontramos um artigo (de autor não identificado), do qual reproduzimos o seguinte trecho: “Apesar de estar consignado que aquilo que deve prevalecer, única e exclusivamente, é o interesse superior da criança, os adultos reivindicam, frequentemente, um «direito à criança», como se esta se tratasse de um objecto, não estando motivados, muitas vezes, pela protecção do interesse desta, mas apenas pela fonte de reconhecimento social que a guarda da criança simboliza e contribuir, de alguma forma egocentricamente, para a realização e satisfação pessoal dos progenitores”.

ALIENAÇÃO PARENTAL
É verdade que o artigo 8. da Convenção das Nações Unidas sobre os Direitos da Criança sublinha “o direito da criança que está separada de um de ambos os progenitores de manter relações pessoais e contacto directo com ambos os pais numa base regular”. Porém, é certo e sabido que não só tal não se aplica sempre, como também este artigo não exprime o problema dos filhos de pais separados em toda a sua plenitude.
No estudo «Dois lares é melhor do que um», o psicólogo brasileiro Evandro Luíz Silva aborda a questão dos filhos de pais separados e um dos principais problemas decorrentes de um divórcio: a “falta causada pela ausência do pai ou da mãe - o progenitor que não detém a guarda” da criança.
“O tipo de guarda mais comum é aquele que segue a jurisprudência dominante, ou seja, guarda exclusiva da mãe e visitas quinzenais do pai em fins-de-semana alternados”, refere Evandro Luíz Silva no seu estudo, onde lança um alerta muito importante: “Na prática, priva-se a criança do contacto com um dos pais, uma vez que [um período de] 15 dias consiste num tempo bastante longo para a criança. A percepção infantil do tempo cronológico é muito diferente da de um adulto (...): uma semana para um adulto pode corresponder a um mês para a criança. Trata-se de tempo suficiente para gerar nesta última o medo do abandono e o desapego para com aquele progenitor que não detém a guarda”.
Em declarações ao NM, João Mouta segue a mesma linha de pensamento ao afirmar que “visitas de 15 em 15 dias não permitem a manutenção de uma relação de proximidade, pelo que esta prática é profundamente desaconselhada.
Evandro Luíz Silva refere que este processo de afastamento em relação a um dos progenitores pode ter consequências sérias no futuro desenvolvimento da criança: “dificuldades cognitivas acompanhadas de declínio do rendimento escolar, ansiedade, agressividade e depressão. Não se dando a devida importância a esses sintomas, dependendo da idade da criança eles interferirão no seu processo de estruturação psíquica”.
João Mouta explicou-nos que este processo denomina-se alienação parental, sendo que o líder da associação considera-o como “uma consequência do facto de um dos progenitores ficar com o tal poder paternal e julgar que tem um poder absoluto sobre a criança, afastando-a do outro progenitor, que acaba por ser resumido à condição de «progenitor-pagador», limitando-se a pagar, mensalmente, a pensão de alimentos que é obrigatória por lei”. O presidente da Pais Para Sempre fala mesmo em “órfãos de pai vivo”, alertando para “o afastamento da criança não só de um dos progenitores, mas de toda uma parte da família (avós, tios, primos)”.

O PODER DA TRADIÇÃO
De acordo com dados da Pais Para Sempre, em 2005, divorciaram-se 17.013 casais em Portugal. Nesse mesmo ano, foram decididos em tribunal 16.606 regulações do exercício do poder paternal, envolvendo, segundo a associação, 34.026 homens e mulheres e 24.670 crianças e jovens (dos quais 9701 teriam menos de sete anos de idade).
À partida seria legítimo pensamos que qualquer um dos progenitores teria direito a ficar com os filhos, mas a realidade dos números diz-nos que, em 84 por cento dos casos, os menores foram confiados à mãe. De acordo com João Mouta, tal decorre de “uma visão tradicionalista da família, segundo a qual a mulher fica incumbida do papel de mãe e de dona de casa, mas que já não corresponde à realidade, especialmente em Portugal, onde as mulheres, cada vez mais trabalham e desenvolvem uma carreira e onde o homem, ao invés de ser o «pater familias» que era noutros tempos, é um membro da família em igualdade com a mulher”. Ou seja, “a prática judicial ainda não se adaptou à realidade e ainda segue muito a tradição judaico-cristã”, a qual “não constitui um critério decisório concreto”, frisa.
O estudo «O Papel da Paternidade e a Padrectomia Pós-divórcio», da autoria do psicólogo Nelson Zicavo Martínez, analisa igualmente este fenómeno: “A experiência clínica permite-nos falar de divórcio parental quando o pai se afasta abrupta ou paulatinamente dos filhos, com um comportamento aprendido e «exigido» pela sociedade, já que existe a representação da normal social (...), a qual estabelece que, perante um divórcio, o pai deve ir embora, zelando assim pela estabilidade dos seus filhos e daquele lar que ele contribuiu para formar. Caso contrário, não será «um bom pai» ou talvez nem seja «um bom homem».”

GUARDA CONJUNTA
POUCO APLICADA
A lei portuguesa prevê a possibilidade de ambos os pais ficarem com a guarda da criança em caso de divórcio, fazendo jus a uma frase de João Mouta: “Um dos grandes objectivos da associação passa justamente por tentar sensibilizar as pessoas para o facto de a ruptura do casal conjugal não pode estender-se ao casal parental, que deverá manter-se mesmo após o divórcio”.
No entanto, uma vez mais, a friza dos números não deixa grandes margens para dúvidas: das 16.606 regulações do poder parental decididas em 2005, somente em 2,6 por cento dos casos os juízes optaram por decidir pela guarda conjunta das crianças.


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Tranquilizar os filhos é um acto fundamental
“Ninguém se casa a pensar que um dia esse casamento irá acabar, pelo que o pressuposto base é de que os afectos existentes irão durar para sempre, o que, em metade dos casos, acaba por não suceder. No entanto, é preciso ter em conta que, no caso da relação pais-filhos, a relação deverá durar para sempre”, afirmou ao NM João Mouta, que fez questão de salientar ainda um aspecto fundamental: “Em caso de divórcio, as crianças têm sempre medo de perder ambos os pais”.
Por isso, o presidente da Associação Pais Para Sempre frisa que, em caso de divórcio, mesmo tendo em conta “que se trata de um período muito stressante e difícil para todos, as crianças devem sempre ser postas ao corrente das intenções dos pais, num registo adequado à idade, mas, sobretudo, os filhos devem ser tranquilizados, de molde a perceberem que o ruptura do casal conjugal não é a ruptura do casal parental”.

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Um pouco sobre a Pais Para Sempre
A Pais Para Sempre - Associação para a Defesa dos Filhos e dos Pais Separados (é esta a denominação oficial que consta nos estatutos) é uma instituição particular de solidariedade social (vulgo IPSS) com sede em Lisboa. Não é um grupo exclusivamente de mulheres ou de homens e tão pouco está limitada aos pais separados. “Pelo contrário, defende aquilo que entende ser o melhor e superior interesse da criança, subscrevendo inteiramente a Magna Carta dos Direitos da Criança proclamada pelas Nações Unidas, bem como a Resolução sobre uma Carta Europeia dos Direitos da Criança do Parlamento Europeu”, pode ler-se no site desta associação, que é também membro fundador da Confederação Ibérica de Pais Separados.


http://www.noticiasdamanha.net/index.php?lop=artigo&op=c24cd76e1ce41366a4bbe8a49b02a028&id=b8ff8b5a2fd629fe9fd442daa248e2ba

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