segunda-feira, 28 de abril de 2008

Posições na A.R. dos diferentes partidos sobre o divórcio e a responsabilidade parental

Divórcio - Intervenção de António Filipe na AR PDF Imprimir EMail
Quarta, 16 Abril 2008

Regime Jurídico do Divórcio

Sr. Presidente,

Srs. Deputados:

Como já tivemos oportunidade de referir publicamente, apreciamos positivamente o projecto de lei (projecto de lei n.º 509/X) apresentado pelo Partido Socialista.

Reconhecemos que a legislação existente, nesta matéria, no fundamental, remonta a 1977 e constituiu, nessa altura, um enorme progresso que importa registar, mas passaram 30 anos. Esta legislação reflectia as concepções sociais dominantes na altura, mas a realidade sociológica alterou-se e, portanto, hoje, o senso comum quanto à relação de casamento e à sua subsistência está significativamente alterado.

Mas vamos, então, ponto por ponto, referir a nossa posição relativamente ao projecto de lei apresentado pelo Partido Socialista.

Concordamos, em primeiro lugar, no que se refere ao divórcio por mútuo consentimento, que faz sentido eliminar a chamada tentativa de conciliação. É, para nós, evidente que, quando duas pessoas decidem divorciar-se, por mútuo consentimento, essa conciliação não faz sentido. As pessoas estão conciliadas quanto à ideia de se divorciarem e, como tal, não faz sentido impor uma tentativa de conciliação, que, aliás, a prática tem revelado absolutamente ineficaz e irrelevante, sendo, por isso, lógico que seja eliminada.

Temos também algum cepticismo quanto às vantagens significativas da mediação familiar, mas esta é uma questão secundária nesta matéria, porque o que é importante, e isto é salvaguardo, é que os acordos complementares do divórcio por mútuo consentimento, designadamente o destino dos bens comuns, as responsabilidades parentais a assumir por ambos os cônjuges, eventuais pensões de alimentos que devam ter lugar ou o destino da casa de morada de família, devam ser objecto de decisão judicial, tal como está previsto no projecto de lei.

Em segundo lugar, também concordamos com a conveniência de se acabar com o divórcio-sanção, assente na violação culposa de deveres conjugais, assente na culpa. Consideramos que, de facto, esta proposta representará um progresso e está de acordo com aquele que é, hoje, o senso comum quanto a uma relação conjugal, isto é, o casamento deve existir enquanto ambos quiserem que exista, havendo um dos cônjuges que não queira estar casado, havendo uma ruptura, por essa via, da relação conjugal, isso deve ser considerado, obviamente, como motivo suficiente para que o divórcio seja decretado. Portanto, entendemos que é ajustado considerar as circunstâncias objectivas para a cessação do casamento e não fazê-la depender do juízo de culpa de um dos cônjuges, sendo o divórcio decretado de um contra o outro, com base nesse juízo e fazendo essa discussão em tribunal. Consideramos, pois, um progresso ir pelo caminho que aqui é proposto.

Também concordamos com a nova qualificação do poder paternal como responsabilidade parental, e nada mais acrescento relativamente a esta matéria, assim como também nos parece justificado que cesse o vínculo de afinidade, havendo uma cessação do casamento por via de divórcio. Não se compreende por que é que a afinidade haveria de subsistir não subsistindo o casamento que lhe esteve na origem e que foi a sua única causa...!

A questão que quero agora abordar diz respeito aos efeitos patrimoniais, e é esta que, do nosso ponto de vista, tem mais que se lhe diga e carece de uma apreciação cuidada, aquando do debate na especialidade. É porque se os princípios que constam deste projecto de lei são, cada um por si, em princípio, justificados, haverá que fazer alguma conciliação entre eles.

Parece justo, em primeiro lugar, o princípio geral da comunhão de adquiridos, ou seja, que a partilha deva ser feita de acordo com os critérios que presidem ao regime da comunhão de adquiridos. Porém, quer-nos parecer que a disposição do projecto de lei que prevê a existência de um crédito de um dos cônjuges, por via de uma contribuição desigual para os encargos da vida familiar, contraria, de certa forma, esse princípio.

Existindo um casamento em que os dois cônjuges estão numa situação diferente, em termos económicos, porque um tem um emprego bem remunerado e o outro tem um emprego mal remunerado ou não tem emprego, ou porque um deles tem uma situação de família diferente da do outro do ponto de vista económico, quer-nos parecer que, na constância do casamento, a contribuição para os encargos da vida familiar é aquela que cada um deles, dentro da sua disponibilidade natural, puder e quiser dar, e isso é assumido entre ambos. Portanto, choca-nos um pouco que, na dissolução do casamento, se venha a considerar que um tem um crédito sobre o outro, porque estava em condições de contribuir melhor.

Embora se saiba que esse crédito só vale para efeitos de partilha, quer-nos parecer que há aqui um princípio que vale a pena questionar e verificar se é, efectivamente, ajustado.

Por outro lado, o princípio de que o divórcio não é um meio para adquirir bens, com o que concordamos, não pode ser absoluto, porque, efectivamente, pode verificar-se alguma injustiça. Uma das disposições legais refere expressamente que os cônjuges não têm o direito de manter um padrão de vida, ou seja, que o cônjuge que pede o divórcio não tem o direito a reivindicar o padrão de vida que tinha. Ora, nós, em princípio, concordamos com isso, mas temos de ver o reverso da medalha, isto é, não se deve criar uma situação em que o cônjuge economicamente mais favorecido peça o divórcio, por sua iniciativa, e coloque o outro cônjuge, por essa via, numa situação económica difícil. Isto resolver-se-á, obviamente, com a fixação de uma pensão de alimentos razoável, mas é bom que a lei consagre, exactamente, esse princípio, de forma a que o divórcio, que, concordamos, não deve ser um meio de poder obter rendimentos de modo injustificado ou ilegítimo, também não deva representar uma sanção para quem, não querendo o divórcio, tem uma situação económica que poderá ficar desfavorecida se a sua condição não for, efectivamente, acautelada.

Portanto, esse é um ponto que entendemos dever ser devidamente equacionado, aquando do debate na especialidade, e quer-nos parecer até que a conciliação destes princípios - do princípio geral de que a cessação do vínculo conjugal se deve fazer de acordo com a regra da comunhão de adquiridos, do princípio de que ninguém deve ser ilegitimamente beneficiado pelo divórcio, relacionado com a ideia de que há um crédito sobre o outro cônjuge da parte de quem contribuiu de uma forma manifestamente desigual para os encargos da vida familiar... - gera um puzzle que nem sempre é fácil de conjugar. E, a coexistirem todos estes princípios, poderão criar-se aqui situações que levem a uma disparidade jurisprudencial que, efectivamente, ponha em causa a segurança jurídica.

Portanto, valerá a pena que estes três princípios sejam mais adequadamente conjugados e, obviamente, creio que teremos todo o debate na especialidade, com a audição dos especialistas em Direito da Família que se considere adequada, para poder encontrar uma forma de os conciliar de um modo justo e que não contribua para situações indesejáveis.

Finalmente, há um último ponto com que concordamos, que é o de considerar como crime de desobediência o incumprimento de responsabilidades que sejam assumidas na sequência do divórcio, designadamente em matéria de pensões de alimentos. Quer-nos parecer que pode ser um tanto desproporcionado considerar crime de desobediência toda e qualquer violação do que tenha sido acordado - e vale a pena ponderar isto devidamente -, porque pode haver matérias de diferente valoração e de diferente importância.

Mas de uma coisa não temos dúvidas: é que faz todo o sentido que quem fica obrigado a uma pensão de alimentos a um ex-cônjuge ou, designadamente, a filhos menores e não cumpre essa obrigação seja severamente penalizado. E nada nos choca, rigorosamente nada, antes pelo contrário, que essa conduta possa ser considerada como crime de desobediência, nos termos da lei.

Portanto, como disse há pouco, encaramos favoravelmente esta iniciativa legislativa. Quer-nos parecer que estamos no início de um processo legislativo que levará a um progresso assinalável em matéria do regime jurídico do divórcio e, obviamente, estamos inteiramente disponíveis para, na especialidade, dar a nossa melhor contribuição para esse objectivo.

Regime jurídico do divórcio - Intervenção de António Filipe -na AR PDF Imprimir EMail
Quinta, 27 Março 2008

Regime jurídico do divórcio a pedido de um dos cônjuges

Sr. Presidente,

Srs. Deputados:

Vamos retomar este debate sensivelmente no ponto em que o deixámos há 10 meses atrás, quando o Bloco de Esquerda trouxe aqui, a esta Assembleia, uma iniciativa legislativa visando consagrar o divórcio a pedido de um dos cônjuges.

E começo pela posição que o PCP tomou nessa altura, para dizer que consideramos que essa ideia deve ser, de facto, considerada, tem toda a pertinência - aliás, o direito comparado demonstra-o -, mas dissemos na altura que o projecto de lei que o Bloco de Esquerda aqui apresentou continha, do nosso ponto de vista, diversas fragilidades e demarcámo-nos dele anotando precisamente algumas dessas fragilidades. Portanto, manifestámos uma posição de princípio favorável, mas entendemos que a iniciativa legislativa careceria de melhor aperfeiçoamento. É essa a posição que mantemos.

De facto, este projecto de lei do Bloco de Esquerda resolveu as principais objecções que na altura colocámos, desde logo a primeira, que era o facto de haver uma atribuição de competências, do nosso ponto de vista exorbitante, aos conservadores do registo, quando entendíamos que havia matérias cuja importância exigia uma intervenção judicial. Havia decisões relativas a eventuais pensões de alimentos, à casa de morada de família e a outros aspectos relacionados, designadamente, com a regulação do poder paternal que não poderiam dispensar uma decisão judicial.

Registamos que, de facto, o Bloco de Esquerda corrigiu esse aspecto e a iniciativa legislativa que agora nos apresenta é, de facto, judicializada. Nós registamos isso e retiraremos daí, obviamente, as devidas consequências.

Referindo-me, agora, a cada uma das duas iniciativas legislativas que temos em presença, diria que, relativamente ao projecto de lei n.º 486/X, não existe qualquer objecção da nossa parte. A iniciativa diz respeito à alteração do prazo de separação de facto para efeitos de obtenção do divórcio e nós concordamos com a proposta que o Bloco de Esquerda aqui traz de redução dos prazos.

Já no que diz respeito ao projecto de lei n.º 485/X, esse, sim, tem outra complexidade e, por isso, carece de uma abordagem mais detalhada.

Do nosso ponto de vista, registamos positivamente que se trate de um processo judicializado. Não faria sentido que os conservadores do registo fizessem tentativas de conciliação, como os juízes fazem, nos termos no Código Civil. Como disse há pouco, há decisões que devem ser judicializadas.

Agora, há aqui aspectos que devem ser objecto de debate aqui e, obviamente, se o projecto de lei for aprovado, na especialidade, alguns dos quais gostaria de colocar aqui para reflexão.

O primeiro é de ordem conceptual. Quer parecer-nos que, em relação a este projecto de lei do Bloco de Esquerda, não estamos tanto perante uma terceira modalidade de divórcio, além do divórcio por mútuo consentimento e do divórcio litigioso, mas mais perante uma subespécie do divórcio litigioso, o que não é um mal.

A questão é esta: na nossa ordem jurídica, temos um divórcio por mútuo consentimento, quando os cônjuges estão de acordo, no essencial, quanto ao divórcio e quanto à regulação de aspectos essenciais que têm de ser regulados, e, então, aí a intervenção judicial é mínima, e temos uma outra modalidade, que é quando um dos cônjuges não se quer divorciar e o nosso Código Civil assenta, até agora, essa possibilidade de divórcio numa violação culposa de deveres conjugais.

Aquilo que o Bloco de Esquerda agora nos vem dizer é que não tem de ser assim, e nós concordamos que não tem de ser assim. Pelo facto de ser um divórcio em que há a vontade de um dos cônjuges contra a vontade do outro - não, necessariamente, contra o outro - não quer dizer que eles tenham de se confrontar com um litígio insuperável, porém, há, de facto, a vontade de um contra a vontade do outro. Podemos retirar a carga pejorativa, se quisermos, que tem a ideia de divórcio de litigioso, mas que há um litígio, há e, portanto, estamos mais perante uma subespécie do divórcio litigioso.

Trata-se, do nosso ponto de vista, de uma questão resolúvel, porque se trata de um problema mais conceptual, como eu disse há pouco.

Porém, há alguns aspectos do projecto de lei do Bloco de Esquerda sobre os quais valia a pena reflectir.

A forma como regulam processualmente este divórcio pressupõe que haja uma série de pontos que estejam resolvidos entre os cônjuges. O requerimento inicial proposto prevê, inclusivamente, que a regulação do exercício do poder paternal esteja feita ou que haja acordo sobre ela, prevê que haja um requerimento relativo a alimentos. Ou seja, há uma série de aspectos que se já estiverem resolvidos a ideia que nos dá é que o divórcio far-se-á por mútuo consentimento. E, portanto, não nos parece muito praticável que um casal que já tenha regulado o poder paternal dos seus filhos ainda tenha de fazer um divórcio contra a vontade do outro, não nos parece curial.

Mas a questão que, para nós, é talvez a mais importante e que careceria de uma reflexão mais profunda tem que ver com o ónus de quem requer o divórcio.

O Bloco de Esquerda tenta fazer aqui uma aproximação, diz que ninguém pode ser beneficiado com isso, ou seja, que não pode ter um regime mais favorável do que aquele que decorra do casamento por comunhão de adquiridos. É uma aproximação mas, do nosso ponto de vista, não é uma aproximação total, porque o que nos interessa salvaguardar é que haja uma decisão final justa. Isto é, achamos que ninguém deve estar casado contra sua vontade e que deve ter uma forma de, ainda que o outro cônjuge o não queira, impor a dissolução do casamento sem que haja uma violação culposa de deveres conjugais. Porém, tem de haver uma solução final justa - é isto que nos norteia - e não entendemos que alguém possa requerer o divórcio contra a vontade do outro cônjuge e ser beneficiado com isso ou deixar o outro cônjuge numa situação muito difícil.

Isto acontece no caso de dependência económica. E aí acho que há uma disposição que não resolve tudo, quando o Bloco de Esquerda reconhece que pode haver uma situação de dependência económica que seja em benefício do casal. Mas eu diria, «não necessariamente». Imaginemos um caso em que um dos cônjuges está numa situação de desemprego involuntário, por exemplo, em que um cônjuge tem emprego e o outro não tem. Caso o que tem emprego requeira o divórcio contra o outro, se não se encontrar uma solução, que creio não estar prevista nos melhores termos no projecto de lei, colocamos um dos cônjuges numa situação absolutamente insustentável.

Como é óbvio, não era isso o que o Bloco de Esquerda pretenderia, mas creio que essa situação tem de ser salvaguardada. E, do nosso ponto de vista, não está inteiramente salvaguardada neste projecto de lei, na medida em que se tutela, de facto, a situação de dependência económica mas se essa dependência tiver resultado da sua colaboração para a vida e economia comum do casal. Ora, do nosso ponto de vista isto não chega, porque essa situação de dependência económica pode não ser voluntária, pode não ser assumida por ambos.

Portanto, dever-se-ia encontrar aqui uma forma de salvaguardar que quem requer o divórcio contra a vontade do outro cônjuge tenha de assumir esse ónus. Assim, não pode ser beneficiado por isso, obviamente, mas também não se pode criar uma solução em que o outro cônjuge fique numa situação insustentável sem poder reagir contra ela. Portanto, é na procura dessa solução justa que nos norteamos.

Já agora, quero referir que também discordamos de uma norma prevista no projecto de lei, quando se diz que o cônjuge que requer o divórcio pode pedir alimentos. Isto poderá ser muito discutível, mas entendemos que deve ser discutido.

Há dois cônjuges que têm uma situação económica diversa, que resultará do divórcio, designadamente porque um deles teria bens de família anteriores, ou seja, estão numa situação de desigualdade, e o cônjuge que está na situação, em princípio, mais desfavorável requer o divórcio contra o outro mas pede alimentos.

Não nos parece que isso seja muito curial, porque pode dar azo a situações em que alguém oportunistamente pede o divórcio, o que também dever-se-ia evitar.

Creio que estas objecções não são insuperáveis e que com a iniciativa legislativa que temos aqui, aprovando-a, teremos condições para resolver estes problemas, mas há efectivamente questões que não estão resolvidas. Para que se encontre uma solução justa é preciso que os problemas sejam devidamente equacionados, encontrando-se uma solução em que se evite que alguém tenha de estar casado contra a sua vontade mas não se criando aqui um mecanismo que possa ser utilizado, de uma forma oportunista, por uns cônjuges contra os outros à custa da dissolução do casamento.

Portanto, é esta a nossa posição de princípio. Somos favoráveis à introdução, na ordem jurídica portuguesa, do princípio do divórcio a pedido de um dos cônjuges, mas entendemos que isso deve ser feito encontrando uma solução que seja justa e que não crie situações de desigualdade e de injustiça relativamente ao cônjuge requerido em benefício do cônjuge requerente.





Intervenções : MONTALVÃO MACHADO(2008-04-16)

 Grupo Parlamentar

Intervenção - 3ª Sessão Legislativa

Sobre as Alterações ao Regime Jurídico do Divórcio
Veja aqui o debate.

Sr. Presidente,
Srs. Deputados

Os temas que, hoje, debatemos na Assembleia da República são, de facto, de uma importância vital para a nossa sociedade.

O projecto de lei em análise assenta em três grandes vectores, quais sejam a eliminação da culpa como fundamento do divórcio, a assunção do conceito de «responsabilidades parentais» em substituição do actual poder paternal e a possibilidade de atribuição de créditos de compensação sempre que se verificarem assimetrias entre os cônjuges nos contributos para os encargos da vida familiar.

Neste projecto, Sr. Presidente e Srs. Deputados, há pontos com os quais concordamos, há pontos em relação aos quais muitos de nós têm fundadas dúvidas e outros há dos quais discordamos frontalmente.

É claro — e nesse aspecto distanciamo-nos do CDS, pelo que acabámos de ouvir —… que concordamos com o novo regime das responsabilidades parentais, que consiste na elaboração de normas que estão, aliás, de acordo com o que já se passa actualmente na enorme maioria dos casos, isto é, que, em caso de divórcio, aquelas responsabilidades sejam exercidas em conjunto, por ambos os progenitores, em relação às questões de particular importância para a vida do filho e que, em relação às chamadas questões do quotidiano, tais responsabilidades caibam ao progenitor à guarda de quem o menor esteja, ou com quem o menor viva.

Isto está certo.

Como está certo que o incumprimento do regime judicial fixado (não é desencadear procedimentos criminais por não exercer o direito de visitas que vai dar sanções penais!) sobre o exercício das responsabilidades parentais constitua crime de desobediência, nos termos da lei.

O Partido Social Democrata esteve e está sempre atento às questões da família como questões cruciais da nossa sociedade e, por isso mesmo, apresentámos hoje cinco projectos de lei muito concretos, quais sejam: a nova Lei de Bases da Política de Família; um diploma que alarga, no âmbito do IRS, as deduções à colecta das despesas com educação e formação; um projecto sobre os apoios à permanência e integração na família de idosos e pessoas portadoras de deficiência; um projecto que cria o «Cartão da Família»; e um diploma que considera como custos, para efeitos de IRC, remunerações e outros encargos com licenças de maternidade, paternidade e adopção.

Foi por isso que dissemos que também estamos de acordo quanto ao novo regime de responsabilidades parentais preconizado no projecto de lei em análise.

Todavia, Sr. Presidente e Srs. Deputados, quanto à questão dos créditos de compensação — de que o Sr. Deputado António Filipe já falou — que o projecto prevê para o artigo 1676.° do Código Civil, tal matéria é muito mais, muito mais do que duvidosa. É mesmo errada.

Vejamos o que nos é proposto: no momento da partilha subsequente ao divórcio, se a contribuição de um dos ex-cônjuges para os encargos da vida familiar tiver excedido a parte que lhe competia, esse ex-cônjuge como que se autotransforma em credor do outro pelo que haja contribuído além do que lhe competia.
Então, pergunto: isso não vai gerar um verdadeiro processo de prestação de contas entre marido e mulher na altura do divórcio? Isso não vai gerar uma espécie de «desconfiança» permanente em todo o casamento? Isso não vai fazer nascer uma ainda maior e mais complexa conflitualidade?


E, no momento da partilha, se a ex-mulher tiver contribuído, ao longo de anos e anos, como em tantos casos acontece, com o seu trabalho em casa, o trabalho dito doméstico, e tiver contribuído também decisivamente para a educação dos filhos — filhos dela e do ex-marido, não se esqueçam! —, como é que os tribunais vão fazer, neste competitivo deve-e-haver entre marido e mulher? Paga-se à dita ex-mulher, por exemplo, a 6 € à hora a parte do trabalho doméstico e a 25 € à hora a parte em que ela ajudou os filhos na aprendizagem da Matemática ou do Português?!

O Partido Socialista ter-se-á dado conta dos problemas que isto vai criar? Ter-se-á dado conta da insegurança jurídica que vai nascer? Ter-se-á dado conta da injustiça que vai fazer?

Esta autêntica prestação de contas no fim do casamento constitui um verdadeiro erro e até está por fundamentar, pois que no preâmbulo do projecto gasta-se cerca de meia linha a explicar, ou melhor, a não explicar o que isto é!

Passemos ao divórcio, que é, evidentemente, a questão mais controversa em debate.

Srs. Deputados, o divórcio, como já aqui foi dito, significa o fim de um projecto construído por dois e para dois, significa o fim de quase tudo, da partilha do amor, da amizade, dos planos a dois, dos anseios a dois, das expectativas a dois.

O divórcio significa, como escreveu, aliás, um dos insignes autores citado no projecto de lei, o fim da partilha de uma vida em comum, que passa pela partilha do corpo, da casa, da família, dos filhos, do dinheiro, de tudo, afinal. E, por isso mesmo, Srs. Deputados, o divórcio é, necessária e emocionalmente, um fenómeno doloroso.

Sabemos hoje — temos uma visão, naturalmente, moderna da sociedade em que nos inserimos — que o casamento não é um contrato perpétuo, como se dizia, de resto, no Código de Seabra. Não é um contrato perpétuo, mas seguramente que não é um contrato qualquer!

Tenho a certeza de que muitos dos portugueses que nos ouvem consideram o casamento como o contrato mais importante das suas vidas.

É por tudo isto que temos de ser muito, mas mesmo muito, cautelosos quando legislamos sobre esta matéria.

Não podemos correr — como o PS fez — atrás do «divórcio na hora, ou na meia hora» que o Bloco de Esquerda propôs há uma ou duas semanas. O Bloco de Esquerda propôs, o PS rejeita e, logo a seguir, avança com idênticos objectivos. E se o Bloco queria o «divórcio na hora, ou na meia hora», o que o PS quer é o «divórcio-fácil». O projecto de lei do PS preconiza a obtenção do «divórcio-fácil».

Evidentemente, achamos bem que se ambos contrataram e querem ambos, outra vez, o divórcio, não deva ser a lei a causar dificuldades ou perturbações à concretização desse objectivo, que é comum.

O divórcio não deve ser entendido como um acto mais ou menos sério e responsável do que o próprio casamento e, portanto, se ambos casaram, ambos se devem poder divorciar, no pleno exercício das suas vontades e no pleno exercício das suas liberdades.

É por isso que compreendemos, ao longo da história, toda a tranquila evolução legislativa acerca do divórcio por mútuo consentimento: de início, se bem estão recordados — os mais jovens não, mas nós sim —, exigia-se que o casamento tivesse durado, pelo menos, três anos, e esse requisito acabou; também de início, exigia-se que os cônjuges requerentes tivessem, pelo menos, 25 anos de idade, e esse requisito também acabou; também se previam duas conferências espaçadas por, pelo menos, três meses, e esse requisito acabou. Agora basta uma, uma tentativa de reconciliação… Ou, aliás, bastava, porque no projecto em análise isso também acaba!

E se até este ponto é discutível, muito mais discutível é analisarmos o divórcio quando um dos cônjuges o quer e o outro não.

Eu conheço bem o argumentário: que estamos na era do «divórcio sem culpa», que temos que encarar uma nova forma de viver a dois, que tudo o que começa um dia acaba, que é assim em muitos outros países, tal como o Sr. Deputado Alberto Martins frisou, etc. Sei disso e até aceito a boa vontade do projecto de lei em apreço.

Mas, destinando-se o actual divórcio litigioso — que muda agora de nome (também é um fenómeno de «cosmética» legislativa), passando a chamar-se divórcio sem consentimento de um dos cônjuges — a pôr termo, a dissolver um casamento que deixou de poder prosseguir os seus fins, por exclusiva responsabilidade de um dos cônjuges, como devemos legislar? Facilitando esse objectivo e desprotegendo aquele que em nada contribuiu para esse desfecho? Creio que não.

No meu entender — e no entender da lei, é bom que se recorde; os advogados recordam-no, e o Sr. Deputado Jorge Strecht sabe disso —, o divórcio existe justamente para defender os mais fracos. E nós sabemos (todos sabemos) quem são, normalmente, os mais fracos: são os filhos.

Então, como devemos legislar?
Obrigar à manutenção forçada do casamento? Também creio que não, e por isso não somos contra uma diminuição do período da separação de facto para a obtenção do divórcio.

Então, como devemos legislar? Acabando com o conceito de culpa, propõem os autores do projecto. E porquê? Porque entendem que o actual conceito de culpa previsto no Código Civil equivale à condenação de um dos cônjuges num castigo ou numa sanção.
Menos verdade. Totalmente menos verdade!

O conceito de culpa importa, verdadeiramente, para a regularização dos efeitos do divórcio e dos aspectos materiais dele decorrentes, a declaração de culpa importa justamente para não deixar desprotegido aquele que não haja contribuído para a ruptura.

É por isso — e bem — que, hoje, por exemplo, o cônjuge declarado culpado não tem, pura e simplesmente, direito a alimentos. Pois não! E o Sr. Deputado Alberto Martins teve necessidade de tentar explicar o inexplicável…

No projecto de lei do PS, como é que se resolve isto? Não se resolve, simplesmente porque jamais há ou pode haver cônjuge culpado! Ou seja, não obstante se dizer no projecto que cada cônjuge deve prover à sua subsistência depois do divórcio (também acho o mesmo, em termos ideiais, é claro!), se dizer que os alimentos — quando houverem de ser pagos — são transitórios (embora renováveis, o que é um fenómeno estranho), não obstante se dizer isso tudo, vamos ser francos:
é possível, de acordo com este projecto, que o responsável e autor de um divórcio obtenha do outro uma pensão de alimentos que, de facto, não devia ser-lhe devida e que, de facto, ele não merece!

Não foi assim há muito tempo que se alteraram as regras e os procedimentos conducentes à obtenção do divórcio.

As leis que regulam a família, as leis que regulam o casamento, as leis que regulam o divórcio devem ser estabilizadas (embora não imutáveis, evidentemente), devem ter um período de maturação e de aplicação, devem ser seguras e, por isso, nós entendemos que o tempo actual em que Portugal e os portugueses vivem, um tempo de grande perturbação social, de fragilização e até de alguma desorientação da nossa juventude face ao emprego que não existe, à violência que aumenta, à generalizada falta de objectivos, neste tempo concreto — dizia —, o bom senso não recomenda uma tão profunda alteração àquilo que se legislou há meia dúzia de anos.

Sei que me vão dizer que, na vida, tudo passa, tudo acaba, tudo se quebra, de tudo se cansa, de tudo se troca… Mas nós não achamos, sinceramente, que se deva legislar com este espírito nesta matéria.

Sr. Presidente,
Srs. Deputados,

Termino como no início: claro que o casamento não produz efeitos divinos e claro que não é um contrato perpétuo. Mas não é, seguramente, um contrato qualquer. É, para muitos portugueses que nos ouvem, o contrato mais importante das suas vidas.

http://www.gppsd.pt/actividades_detalhe.asp?s=11593&ctd=5184

Intervenções : PEDRO SANTANA LOPES(2008-04-16)

 Grupo Parlamentar

Intervenção - 3ª Sessão Legislativa

Sobre as Alterações ao Regime Jurídico do Divórcio

Veja aqui o debate.


Sr. Presidente,
Sr.as e Srs. Deputados,
Srs. Membros do Governo

Em relação ao debate aqui realizado sobre esta iniciativa legislativa do PS, o meu companheiro António Montalvão Machado disse já o que entendemos. Não negamos o mérito, a boa vontade, a boa-fé, o bom propósito da iniciativa, mesmo o mérito de algumas das soluções legislativas — ele citou as que respeitam ao exercício dos poderes parentais, em que, na prática, esta iniciativa surge a concretizar aquilo que é aplicado, em grande medida, já hoje pelos tribunais portugueses. Sabemos também da tendência contemporânea em vários países do continente em que nos inserimos, sabemos de todas essas razões.

Srs. Deputados do PS, a propósito de quem anda a reboque de quem, no dia da apresentação, do debate e da votação dos projectos de lei do Bloco de Esquerda sobre esta matéria, o Presidente do nosso partido, o Dr. Luís Filipe Menezes, disse logo que a orientação do partido face ao projecto anunciado pelo PS seria a de, em princípio, votar contra. E votar contra pelas razões aqui referidas também, não as anunciámos hoje.

Esta iniciativa, como várias outras, nomeadamente nesta sessão legislativa, vem num sentido só: tornar mais expedito, mais fácil, mais célere a possibilidade de dissolução dos vínculos, neste caso do matrimónio. Faltam as outras iniciativas, no sentido de apoiar a manutenção, a subsistência, a continuidade, com estabilidade, desse mesmo regime.

Foi por isso que nos preocupámos hoje em apresentar um conjunto de iniciativas legislativas, algumas já anteriormente apresentadas e rejeitadas, desde a lei de bases da família até matéria em sede fiscal que procura compensar as famílias pelos gastos com a educação dos seus, pelo arrendamento da morada comum de família, pelas despesas com as pessoas de mais idade ou com as pessoas com limitações físicas que estejam a cargo dos agregados familiares.

Parece-nos essencial, numa altura do mundo, e também do nosso País, em que muito aponta, caminha, para diluir princípios e valores importantes, que se dê também um sinal, que é um contributo para um caldo de cultura, de que nos importamos com a manutenção do que é estrutural na organização das sociedades.

E não vi aqui ninguém rejeitar essa ideia, nenhum dos que intervieram. Uns têm uma visão sobre como começar e como terminar, outros teremos outra visão.
No seio do nosso grupo parlamentar, e com isso nos sentimos enriquecidos, há visões diferentes sobre esta matéria. E, como é de nossa tradição, e mesmo sem nenhum dos meus companheiros o ter requerido, anunciámos logo que haveria liberdade de voto nesta matéria para lá da orientação fixada pelo partido.

Sentimo-nos, como disse, orgulhosos dessa tradição.

Quero sublinhar que o fazemos em coerência com aquilo que temos dito sobre este conjunto de iniciativas. Faz falta ao nosso País também que as pessoas sintam que o Parlamento decide e legisla sem dúvida no sentido de ir de encontro aos problemas que têm, mas também no sentido de ir de encontro a que se conserve algo do que é mais importante nas suas vidas, quando nasceram, enquanto vivem e também depois de deixarem de viver. Porque, quer se queira quer não, e sabendo nós que só uma pequena percentagem recorre ao divórcio litigioso em Portugal, pela análise que fazemos do diploma chegamos à conclusão que muito desse carácter litigioso é empurrado para cima da discussão das questões financeiras e patrimoniais. São as que ficam pior resolvidas em função do afastamento do conceito de culpa.

Respeitando nós o trabalho desenvolvido, como é dito no preâmbulo, pelos docentes universitários que contribuíram para este projecto, um dos quais tenho o gosto de conhecer, nomeadamente da Figueira da Foz, não posso deixar de considerar que, sendo um trabalho profundo e sério, é um trabalho que vai pela via mais fácil e que não pesa suficientemente os inconvenientes de, numa altura de divórcio, os dois cônjuges, já com filhos muitas vezes, irem discutir, um com o outro, quem deve o quê ao outro cônjuge em função dos gastos realizados em comum durante a subsistência do vínculo que até então durou.

Por isso mesmo afirmamos esta posição, dizendo que não desligamos esta iniciativa e o seu conteúdo do contexto histórico em que aparece: na mesma sessão legislativa em que foi aprovada, finalmente, a proposta de um determinado sector político, e na qual pessoas de outros sectores políticos se revêem, sobre a interrupção voluntária da gravidez e os projectos de lei apresentados pelo Bloco de Esquerda. E temos, agora, este projecto do PS.

Preferimos, nesta altura e nesta sede, apresentar projectos de apoio à família, sabendo que Portugal é um País onde são reconhecidos os direitos da união de facto, que também constituem famílias. Como é dito no preâmbulo do diploma, e bem, não é só a família que faz o casamento, o casamento também constitui a família. Nós assumimos e aceitamos essa visão. E por aceitarmos essa visão é que nos sentimos livres para poder votar contra a iniciativa em si e no seu contexto histórico, porque, como disse António Montalvão Machado, estamos aqui a legislar e, portanto, a decidir politicamente, indo a reboque das nossas convicções, dos nossos princípios e dos nossos valores, que incluem a liberdade de voto para o grupo parlamentar.

Ouvi os esclarecimentos do Grupo Parlamentar do PS em relação à iniciativa do Bloco de Esquerda e quero acreditar que assim é, que este projecto de lei estava há muito tempo a ser preparado e que, portanto, não vem na sequência das iniciativas de ninguém.

Quero dizer também aqui hoje que, apesar das declarações de ontem do Sr. Deputado Paulo Portas, não andamos, de facto, a reboque de ninguém, não propusemos coligações a ninguém, não propusemos dar boleia a ninguém nem ninguém nos viu com o polegar estendido. Aliás, não caberíamos noutras viaturas; seriam precisas muitas para nos darem boleia ou para fazerem coligação connosco. Não podemos deixar de o dizer.

E, por isso mesmo, vamos por nós próprios, de cabeça erguida e orgulhosos dos nossos princípios, dos nossos valores e da nossa responsabilidade para com os nossos eleitores e para com o País, o que inclui definirmos uma posição respeitando a liberdade de convicção de cada um e de todos, e também, naturalmente, de todos os outros grupos parlamentares.


http://www.gppsd.pt/actividades_detalhe.asp?s=11593&ctd=5186







DISCUSSÃO NA GENERALIDADE DA PROPOSTA DA LEI DO DIVÓRCIO

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